Cartas de Julho (20)

Fotos cedida por Magno Herrera Fotografias


“SILENCIAR E ACOLHER DO FUNDO DO CORAÇÃO”

No fundo todo mundo sabe o que as pessoas desejam ouvir. Eu não me descreveria como uma pessoa falsa ou dissimulada. Eu tentei ser amiga dela. Eu tentei mesmo, mas eu tinha ambições, eu merecia alcançar o sucesso. Ela desabafava. Era tão simples para eu ficar ouvindo. Ela falava tanto que me colocava de olhos bem abertos para saber tudo o que se passava na casa dela. Falava das brigas dos pais e da maneira como eles se distanciavam. A mãe dela era super ciumenta e o pai gostava muito dela, mas estava sempre entristecido com o comportamento da esposa. Eram tantas brigas que minha amiga ficava nervosa com a mãe e me entregava tudo o que se passava no ambiente doméstico.

Fui me interessando pela vida deles. Estranho como fiquei fascinada pelo assunto. Chegou num tempo que eu perguntava como estavam, se haviam feito as pazes e ela sorria, me achava a melhor amiga do mundo. Minha atração foi crescendo e quis saber da vida financeira da família porque minha amiga estava sempre bem vestida e era bem educada, tinha joias. Desconfiei que tinham posses. Ela me confidencializou tudo. O pai era empresário e tinha muito dinheiro. Aí foi fácil. Eu já sabia de tudo e comecei a armar situações para me encontrar com ele.

É verdade que fiz tudo intencionalmente, mas sempre acreditei que deveria ir atrás dos meus desejos. Eu me insinuei e ele se apaixonou perdidamente. Isso é o que dá quando a esposa não cuida. Ao invés de viver o amor, fica plantando a infidelidade. Tanto criou que apareceu mesmo.

Eu gostava dele, mas não tanto quanto dos presentinhos que ele me dava. Aquela situação começou a me incomodar porque eu não queria ser a outra e fiz de um jeito que ela soubesse de nós. Depois disso, eles se separaram e eu virei à esposa. Verdade que não foi simples porque eu cheguei a apanhar da Gisele, a amiga que se sentiu traída por mim.  Ela foi esperta e disse que eu fiz de propósito. Eu senti a dor da separação da Gisele porque demorei a entender que amizade é joia rara.

Depois de alguns anos, eu entendi que nada vale um sentimento sincero. Nada do que recebi de Alfredo, joia, casa, carro... Nada supria o que perdi de mais caro, a amizade da Gisele. Eu demorei a entender que eu agi errado. Eu não o amava. Eu só pensei na vida mansa. Eu vendi a amizade, meu corpo, meus sentimentos. Nós nunca fomos um casal. Acho que ele ficava comigo na maior tristeza porque ainda pensava na ex esposa. Estranho porque eu era muito mais nova, muito mais bonita e atraente, mas não era isso que bastava para ele.

Ficamos como infelizes num relacionamento que não foi para lugar nenhum. Ficamos juntos, a Gisele nunca mais quis falar com o pai e nem comigo. Logo, eu adoeci. Sentia dores terríveis no estômago e nem de longe poderia imaginar que estava tão mal. Minha consciência tentava me alertar que eu era ruim, errada, mas eu fui forte, durona e não a procurei para pedir perdão. Tudo errado. Hoje, compreendo que deveria ter sido leal à amizade dela. Quando alguém procura desabafar, nós DEVEMOS HONRAR A SUA ESCOLHA de nos procurar. SILENCIAR E ACOLHER DO FUNDO DO CORAÇÃO. Não sei se, um dia, ela irá me perdoar, mas se ela conseguir ter acesso a esta carta, desejo que saiba que estou arrependida.
DEISE
01/07/18


--------------------------------------------------Paula Alves----------------------------------

“NÓS SÓ ATRAÍMOS PARA PERTO DE NÓS OS NOSSOS SEMELHANTES”

Era vício e ainda hoje é difícil falar disso. Eu ainda era bem novinha quando descobri meu corpo. Logo, fiquei entusiasmada com os rapazes. Tive muitos namorados e meu pai ficou enfurecido quando descobriu que eu cabulava aula para namorar. Nossa! Como eu apanhei. Ele não conversava não, batia mesmo. Acho que minha mãe devia ter conversado, mas não sei se ia adiantar. Eu também acho que é um problema psicológico, tomara que o tratamento me faça ficar melhor.

Apanhava do pai, mas não ligava muito. Eu era esperta, fugia dele e ia me encontrar com o namorado. Enganava até o namorado porque nunca estava só com um. Eles faziam todas as minhas vontades porque eu sabia conquistar, fazia beicinho, charminho e conseguia tudo o que queria. Um nunca desconfiava do outro. Meu pai achou que eu devia me casar porque já estava ficando falada. Eu não queria me casar porque sabia que não seria fiel. Mesmo assim, o pai arranjou noivo para me livrar da língua do povo. O pai foi tão esperto que encontrou um noivo de outra cidade que casou comigo e me levou embora dali. Eu sei que o meu pai, apenas se livrou do problema porque eu nunca mudei.

Casada e traia o marido. Meu esposo era bonzinho, coitado. Não sabia o que fazer para me alegrar, mas ele só me irritava porque eu não gostava de homem assim. Eu não o amava, sabia que tinha que respeitar, mas era mais forte do que eu. Ele ainda arrumou trabalho de noite, aí eu me esbaldava. Ia para a boate, dançava a noite inteira e beijava, namorava. Que dó do Afonso. Eu não devia ter feito nada disso doutor, hoje eu sei. Horrível uma mulher leviana, traidora. A mulherada começou a ficar raivosa porque eu dava mole para os maridos e foram contar para o Afonso. Eu que pensei que meu marido era mole.

Ele armou uma situação e me pegou no flagrante no meio da pista de dança toda requebrando com um paquera. Ele bateu tanto no cara e me levou para casa pelos cabelos. Em casa, ele não pensou duas vezes. Quando eu acordei, estava ferida e mal conseguia andar. Quem diria que eu morreria por causa de ciúmes? Acho que não foi só ciúmes, foi honra, foi dignidade mesmo. Mulher nenhuma deveria ofender homem desse jeito, foi demais para ele.

Eu sinto muito que tenha provocado tanta dor num cara tão legal. Hoje, eu não tenho mais ódio dele por causa do que fez porque eu sei que fui a pior. Ele me amou muito, me tratou como princesa e eu fui uma leviana. Que pena! Aprendi que não se deve tratar homem assim, mas ainda é difícil pensar em sexo, na carne. Eu sei que tinha gente que me perseguia e me incitava a procurar por homem.

Já me explicaram que aquele fogo todo não era só meu. Espírito antigo que cobrava pelos erros do passado e me fazia cair em erro, mas não era só isso. Por este motivo eu tenho que me tratar né? A culpa foi minha mesmo. Nós só atraímos para perto de nós os nossos semelhantes.
DJANIRA
01/07/18


---------------------------------Paula Alves-------------------------

“A VIDA FOI ÓTIMA, NÃO SENTI NEM A PROVAÇÃO”

Foi uma vida perfeita. Foi tudo tão bom que eu nem sei se teve provação. QUANDO A GENTE TEM ALEGRIA E GRATIDÃO POR DEUS TUDO FICA MAIS FÁCIL. Eu não fui rica, nem muito bonita. Eu só sei que nasci numa família simples que trabalhava de forma digna e deu muito amor para gente. Tudo começou pelos meus pais que se amavam e faziam tudo de comum acordo. Um estava sempre ajudando o outro, sempre sorrindo, brincando em casa. Ela dançava para ele e ele cantava para ela, a coisa mais linda do mundo. Eu cresci assim. Contavam histórias para gente, brincavam e no frio dormia todo mundo junto na sala. Eu e meus quatro irmãos. Fui crescendo, a mãe ensinava tudo para gente, limpar a casa, lavar a roupa, fazer comida e até bordar, fazer crochê. A moça não era prendada se não fazia engomagem, tricô e era de pequena que se aprendia de tudo um pouco. Não tinha muito estudo, mas era o suficiente para encontrar o emprego na fábrica. A vida era boa demais. Não era como a de hoje que vocês têm que se preocupar com tudo. Com medo até de sair na rua, não tem serviço, credo.

Passeava com meus irmãos e conheci um rapaz bom, igualzinho o pai, graças a Deus. Ah! Como o meu João foi um doce na minha vida. Logo casamos. Numa casinha de dois cômodos começamos nossa vidinha e fomos nos amparando para receber os filhos que Deus mandou. Minhas crianças foram formosuras. Não tem do que reclamar moço. Tudo de bom. Tinha doencinha de criança, a gente levava na benzedeira e logo curava com chazinho e pronto, carinho de mãe, vai vivendo.

Trabalhando em casa. Lavava roupa, costurava e o João na firma. Todo mundo foi se criando e quando a velhice chegou a gente não sofreu não porque nossos meninos sabiam tratar bem da gente. Não faltou nada para nós, nem carinho nem pão. A moçada lá em casa caprichava nos cuidados e nosso corpo era forte ficamos uns velhos animados (risos).

Quando a morte chegou eu estava pronta. Imagina se eu ia discutir com Deus? Ele chamou. Tá na minha hora. O coração simplesmente parou e eu fui. Vi minha mãezinha e fiquei contente de tudo. Eu sabia que seria do jeitinho que foi. Eu tenho saudades de todos. Tenho saudades da minha família, mas aqui eu também tenho parente e gostei de ver como eles estão bem do juízo. ESTOU FAZENDO O QUE QUER O SENHOR. Estou seguindo o meu caminho. Aqui tem muita coisa para fazer, é bom. A vida foi ótima, não senti nem a provação.
CLEUSA
01/07/18

----------------------Paula Alves-------------------------

“SEI QUE MINHA FAMÍLIA SENTIA VERGONHA DE MIM”

Gangrena?
Eu nem sabia o que era isso. Não sentia dor e nem percebi os dedos pretos. Eu bebia demais. Estava sempre esmorecido, entorpecido. A cabeça cheia de cachaça. Tem gente que pergunta por que a gente bebe. Tem quem beba para esquecer, bebe de tristeza, de alegria, de frustração, de mágoa.

Para comemorar, socialmente, para acompanhar, fazer brinde. Acho que a bebedeira está sempre associada a um sentimento. Eu bebia sempre e tinha gente que nem me conhecia sem ser bêbado. Bebia tanto que saia do bar tombando e caia no chão. Eu sabia que estava na rua, mas o corpo não reagia mais. Teve um dia que eu tinha a certeza de que estava acompanhado por uns colegas do bar. Eu comecei a beber e vi quando eles chegaram, me deram tapinhas nas costas, riram, de vez em quando eles sumiam, depois voltavam. Eu bebia e eles ficavam bem perto de mim, mas estranhei porque não tinha copo para eles. Tudo bem porque eles me ouviram e riram comigo. Quando saí do bar, eles me acompanharam, mas quando eu caí, eles não conseguiram me levantar e foram embora. Hoje eu sei que eram desencarnados que estavam me sugando, que horror!

Eu ficava ali caído e tinha gente que passava perto de mim e ria. Estranho porque ninguém se comove, ninguém pensa que a gente está machucado ou com dor, que morreu. Podia ser. Era frequente. Eu sempre ficava assim, bêbado pelos cantos. Sei que minha família sentia vergonha de mim. Eu não queria que eles se envergonhassem de mim, mas fazer o quê?    

O fato é que eu não percebi quando o pé ficou preto. Eu não me cuidava mesmo. Se estava sóbrio, eu tomava um banho de gato para sair de novo, bar.

De repente, minha filha percebeu que eu estava mancando e quis me levar no médico quando viu o pé preto. Ela ficou assustada coitada da Isabele, boazinha. Chegou ao hospital, o médico assustou a menina. Falou de internação, amputação, medicação, tudo isso e eu não tinha plano de saúde, nem era, nem beira. Como que eu podia pagar?

Tinha que aguardar para me atenderem no público mesmo. Rapaz você precisava ver o modo que eles fazem, é terrível. Mas, eu só percebi o quanto era terrível porque depois que me sedaram, eu soltei um pouco do corpo e acompanhei todo o processo para tirar a perna, coisa feia. Ficou pior porque eu perdi muito sangue, o corpo estava uma tranqueira veia. Não aguentei e quando percebi estava soltinho do corpo. Tentei voltar, mas não consegui. Aí foi canseira. Sofri demais, vi todo o meu velório e o sofrimento dos parentes. Fui vagar, encontrei os companheiros de copo, tentei sugar o álcool, mas é tudo muito ruim. Que vida estranha! Cheguei aqui faz pouco tempo e estou tentando suportar a vontade que eu sinto de beber. Será que eu vou conseguir?
ANTÔNIO (Nazinho)
01/07/18

-------------------------Paula Alves-----------------------


Foto cedida por Magno Herrera Fotografias

“QUEM PERCEBE TEM A OBRIGAÇÃO DE FAZER ALGUMA COISA”

Vaguei entre eles e não poderia perceber nenhuma distinção, se em determinado momento, não tivesse recebido o auxílio oportuno. Éramos todos iguais. Nós e eles totalmente entorpecidos. Todos nós ansiando viver uma loucura onde todos estão sempre em festa.

Eu vivi uma vida medíocre e achei que isso era tudo o que existia. Meus pais nunca ligaram para mim e para meus irmãos. Nós nos criamos, cada um por si numa selva de pedra e, em meio a arranha céus, encontramos nas drogas uma forma de tornar a situação um pouco mais divertida. Era como se nada fosse tão sério ou tão terrível. A gente saia da realidade e quando estava quase para retornar, se drogava de novo. Numa destas noitadas eu me soltei completamente do corpo, morri. Não senti muito não porque a vida após a morte se apresentou para mim exatamente igual. A diferença é que, deste lado, somos mesmo zumbis. Aspecto terrível de filme de terror, sedentos por um pouco de ânimo que encontrávamos ao lado dos encarnados viciados.

Passei muito tempo desta forma, mas tudo cansa e a mente, em algum momento, nos cobra a sanidade mental. É importante mencionar que sempre existem seres abnegados ao nosso lado, a gente é que não enxerga. Não está para isso, mas eles estão bem perto de nós como verdadeiros anjos da guarda.

Aí num dia qualquer, eu a vi, resplandecente, dona Marília me deu a mão e eu me senti tão lúcida. Ela explicou que, se eu me controlasse, poderia ser levada dali, mas precisava provar que estava no momento propício para ser levada. Eu ficava de longe para não sugar e pude observar o que de fato acontecia. A selva de pedra era um refúgio para todos nós que não desejávamos ver a luz do sol, querendo as sombras. As drogas fazem de nós o grupo dos zumbis e os encarnados não percebem, mas são todos zumbis sem fé e esperança.

Existem muitos como eu que não tiveram de suas famílias um pingo de atenção e de afeto. Será que os pais deles nunca ouviram falar em tráfico, drogas, marginalidade, prostituição?
Onde estão estes pais, enquanto eles estão nas ruas?
Será que os pais são como eles?
Será que também estão como zumbis, drogados?

Eu fiquei pensando e atraí para junto de mim um grupo que tentava ajudar. Eles eram muito íntegros e bonitos, até estranhei. Espíritos empenhados em levar a luz, mas eles não querem porque só conhecem isso. Eu não sei como vocês vão fazer para reverter tudo isso. Eu já perdi meu corpo, mas eles ainda estão jogando. Eles ainda podem aproveitar esta vida. Eles são tão novos e sem juízo.

Será que não dá pra fazer nada por eles?
Sei que no meio de meus pensamentos ela voltou. A dona Marília me pegou chorando. Eu fiquei muito triste de ver que meus irmãos estavam no meio dos menores que se drogam, que se viciam e se prostituem. Crianças que nem sabem nada de sexo e dizem ter opção. Escolher o que se nem sabem de nada?
E dizem que isso é liberdade. Que liberdade? Eles estão encapsulados no mundo das drogas. São tantos entorpecentes que não conseguem pensar. Eu abracei dona Marília e chorei sentida. Eu só precisava pensar e desejei sair dali para não ficar louca. Eu estou aqui há alguns meses doutor. Sou muito grata. Veja minhas roupas limpas, discretas, nada de shortinho e top. Eu estou diferente e gostei da mudança. Eu me sinto tão leve e não sou mais feliz porque sei que devo me mexer. Eu preciso ajudar. Quem percebe tem a obrigação de fazer alguma coisa.

Se, no meio de cegos, você pode ver, então, tem que transmitir a visão. Eu pretendo me tratar porque como viciada necessito de desintoxicação para estar aprovada para o trabalho. Eu pretendo descer e servir na crosta. Desejo ser serva para meus irmãozinhos necessitados de cuidados. O núcleo dos jovens precisa de toda a ajuda possível. Pena que os encarnados ainda não perceberam que eles são os futuros adultos, os idosos do futuro se conseguirem ficar encarnados para isso. Eu peço a Deus forças para conseguir.
TAMARA
08/07/18


--------------------------------------------Paula Alves--------------------------------------

“FORAM ANOS ME QUESTIONANDO O QUE DEVERIA FAZER”

É tanta gente que eles nem conseguem perceber quem são. Uns felizes, outros sem teto. No meio da paisagem centenária que fornece um colorido de inspiração, eu vi pessoas jogadas no chão.

Eu vi a dor e senti o pesar. Tive inclinações para ajudar, mas não pude fazer nada porque eles não me viram. Cada um estava sentado num lugar de comodidade e se recusou a se socializar. Fiquei indignada com a situação.
Como isso pode ser um cidadão?

As pessoas se esqueceram do que nos difere dos animais e passaram a viver seus instintos. Todos desejam e para conseguir o objeto de sua atenção vale tudo, até cortar a mão. Eu sinto muito por meu jeito de expressão, mas não ficou nada, nem um pedaço de pão. As crianças clamavam um abraço ou um aperto de mão e aquelas que poderiam lhes beneficiar, negaram atenção justificando o desejo pela ascensão.

As mulheres estavam mudadas não tinham mais o instinto maternal, mas o de posse e vaidade. Os homens apresentavam uma fraqueza que era tão singular, não era fraqueza antes era carência afetiva pela falta da mãe no lar.

Por que o materialismo prende e asfixia?
Por que as inversões de valores?
Eu vi e desejei sumir dali. Eu não quis ver os irmãos brigando por causa da casa que era tudo o que ele tinha. Eu não quis ver como jogaram as roupas fora. Eu não quis participar e saí para nunca mais voltar. Quando sai de casa vi que o mundo não tinha nada de bom. Eu vi o mar e desejei ficar ali sozinha para sempre porque as pessoas não sentiam mais e não sabiam mais amar.
Será que eu também estava inerte?
Por quanto tempo fiquei omissa?
Foram anos me questionando o que deveria fazer e depois que os cães morreram tudo acabou porque eles me olhavam com carinho e sabiam me ouvir. Eu não sei se vou conseguir retornar. Eu tenho medo desta gente doutor. Como podem cuidar de um bebê? Eu tenho medo de ficar impotente. Tenho medo do que posso me tornar.
CLÉIA
08/07/18
------------------------------------------Paula Alves----------------------------------------

“NÓS ATRAÍMOS OS FLAGELOS PORQUE SOMOS SOMBRIOS”

Eu senti tanto, eu chorei tanto e era uma dor que não tinha fim porque eu não podia fazer nada. Eu queria corrigir o mundo e queria que as pessoas me ouvissem, mas nunca ninguém me ouviu. E por mais que eu corresse, eu não conseguia salvar ninguém. Por que eles não queriam ser salvos. Eu vi como eles se aniquilaram e eu não queria a guerra, mas eu não era ninguém. Ei ouvi falar da bomba e da explosão e eles estavam felizes porque muitos iriam morrer, mas por que riam?

Diziam que não era nossa nação e eu pensava que todos eles eram filhos de alguém e poderiam ser meus. Eu orei e pedi, eu clamei, mas por que tinha que acontecer? Por quê? Depois foi com a gente. Eu estava trabalhando na casa do coronel e estava angustiada para chegar em casa. Eu sentia que estava prestes a acontecer alguma coisa e eu estava querendo ir embora. Não deu tempo. Quando as tropas inimigas chegaram devastaram tudo. Arruinaram com nosso bairro e eu senti que minha família seria prejudicada. Corri e quando cheguei era tarde. Eu vi Giudete caída no chão. Ela era tão pequena. Estavam jantando e caíram imóveis. Meu marido e minhas filhas. Eu fiquei muito tempo sentada e vi um soldado se aproximando. Desejei tanto que ele atirasse para acabar com minha dor, mas ele não conseguiu porque se apiedou de mim. Eu não tenho como esquecer. Por que tanto ódio?

Eu fiquei tentando entender por que as pessoas perdem seu tempo destruindo. Por que elas perdem tempo competindo e desejam ter tudo para si. De onde veio isso? Será que em alguma parte existem pessoas conscientes? Será que estas pessoas podem produzir o bem de forma desinteressada? Eu quero acreditar que sim. Hoje estamos bem. Aqui todos são bons.
Depois de muitas centenas de anos onde cada um de nós foi para um lado pudemos nos reencontrar e eu estou feliz, mas me preocupo. Nós atraímos os flagelos porque somos sombrios. Temos tanta limitação moral que passamos por catástrofes cada vez piores. Somos como todos os outros, senão não estaríamos envolvidos. Eu estou me esforçando para compreender e para perdoar. Agradecida pela atenção.
FIORELA
08/07/18

-----------------------Paula Alves--------------------------

“AQUELES QUE NOS AMAM SE QUESTIONAM SE OS SEUS ATOS IRÃO NOS FERIR”

Eu sempre soube de tudo o que ele fazia. Me casei com ele porque eu o amei desde o primeiro instante. Teria me casado de qualquer jeito. Nossos pais formalizaram nosso casamento quando ainda éramos crianças e sei que as mulheres que ele tinha era para mostrar uma virilidade para todos.


Eu sentia e sofria por isso. Tinha ciúmes e não queria nem que ele saísse de casa, mas sabia que ele me tinha amor e eu digo que ele sempre foi o melhor marido do mundo, apesar de todas as traições. Eu me esforcei para não brigar, para não quebrar tudo ou para não ir embora. Logo, meus filhos nasceram. Tive cinco e os amei com todo o meu afeto.

Soube que Júlia estava grávida de meu Rodolfo. Eu sabia que o filho era dele e eu quase morri de raiva. Pensei em forçar o aborto, mas que culpa tinha aquela criança da maldição da promiscuidade?

Eu nunca consegui segurar meu marido em casa. Vi a barriga dela crescer porque eu era obrigada a ver a mulher por toda parte. Eu engoli seco e ele nunca assumiu a paternidade do menino, até isso me envergonhou. Eu achei que pudesse fazê-lo melhorar. Achei que se eu o amasse, ele seria uma pessoa melhor. Em vão pensei tudo isso e quando já estávamos maduros percebi que ninguém muda ninguém. Eu peguei meu marido me traindo dentro de nossa casa. Meus filhos já estavam adultos, as meninas já tinham casado e refleti se queria que elas passassem pelo mesmo que eu. Então, entendi que eu havia me anulado porque quando mudei a protagonista vi que isso tudo era inaceitável. Eu nunca diria para uma filha minha se esforçar em permanecer casada se isso tudo fosse com ela.

Eu tentei vinte anos e o amei. Negligenciei meus princípios. Afirmava para mim mesma que ele me amava. Como poderia me amar? Eu nunca tive carinhos, nunca nos sentamos para falar de meus anseios ou das minhas ambições de mulher. Nunca. Acho que ele nem me conhecia. Eu me revelei na porta do quarto da empregada. Deixei claro que tinha visto tudo e saí. Quando ele foi até mim, eu falei que iria me divorciar e ele virou um bicho. Eu me livrei dele. No início foi horrível porque eu tinha um sentimento de posse, “o meu marido”. Depois vi que ele não passava de um homem sem compromisso.

Vivi sendo insultada e ofendida pela sociedade, mas vivi me sentindo mais feliz. Eu não precisava pedir amor e atenção. Eu aprendi tardiamente que aqueles que nos amam também nos valorizam e nos respeitam. Aqueles que nos amam se questionam se os seus atos irão nos ferir. Eu achei muitas pessoas que me amaram. CASEI DE NOVO PORQUE AS PESSOAS NÃO SÃO TODAS IGUAIS E EU MERECIA SER FELIZ COM UM HOMEM. Eu merecia me sentir uma mulher querida e desejada. Eu sou muito grata a Deus por todas as oportunidades que tive de saber a verdade. Muitas de nós recebem a verdade, mas fingem que não. Muitas preferem se anular, outras deixam claro que são únicas e especiais.
NÃO É COM GRITO E COM TOLICES QUE NOS IMPOMOS, MAS COM ATOS NOBRES, ATOS DE MORAL E TRABALHO SÉRIO.
Eu sou feliz porque tive tudo o que precisava para me tornar uma mulher que tem a cabeça erguida.
ANA MARIA
08/07/18

--------------------------------------Paula Alves-------------------------------


Foto cedida por Magno Herrera Fotografias

“DESCOBRI QUE DEVEMOS SER GRATOS POR TUDO O QUE DEUS NOS CONCEDE”

Sempre foi um período bastante turbulento. Eu ficava descontrolada. No início não compreendi aqueles rompantes e acreditei que fosse por causa do excesso de minha jornada de trabalho. Eu precisava me dedicar mais ao que fazia, estava prestes a ganhar uma promoção da qual eu estava me dedicando há anos, mas de repente, percebi que eu estava irritada além da conta. Em certas ocasiões, ficava melodramática, saia para o banheiro e chorava de forma incontrolável. Eu era uma das poucas mulheres no meu ambiente de trabalho e aqueles olhos vermelhos passaram a se tornar constrangedores. Estranhei o que estava acontecendo comigo e procurei um médico.
Ele sorriu e me encaminhou para o ginecologista. Eu fiquei bem irritada com o sarcasmo dele quando disse: “coisa de mulher!” Que desaforo! Por acaso só mulheres choram, se irritam ou perdem a paciência? Eu vi muitos homens partindo para brigas por causa de questões banais, ridículo, achar que os hormônios nas mulheres são causa de tudo o que as perturbam. Mas, de fato, para mim era o problema. Fui ao ginecologista e ele me informou que eu estava sofrendo de TPM, mas não aquela de tirar sarro. Era uma doença.
Minha TPM estava gerando problemas físicos, emocionais e mentais porque eu me sentia perseguida, abandonada e vi a ruína da minha vida. Sofri muito com isso e não compreendi como, de uma hora para outra, estava vivendo aquele mundo de mulher. Eu nunca fui assim, sempre muito prática, dedicada ao meu trabalho, eu nunca me programei para ser dona de casa, esposa e mãe e aquele mundo feminino até me irritava porque eu via futilidade e uma meiguice que irritavam.
Eu vivi com esta TPM me incomodando a vida toda depois disso. Meu médico insistiu com uma série de medicamentos, mas parece que eles pioravam meu sofrimento. Foi complicado para a convivência social, para arrumar um companheiro ou para ganhar a tal promoção. Foi uma batalha porque eu expulsava as pessoas da minha vida, eu não confiava em ninguém.
Aos poucos, preferi ficar sozinha e evitava sair porque eu nunca sabia quando me comportaria mal, arrumando alguma confusão. É muito triste e tem gente que ainda faz brincadeiras desagradáveis. Foi uma vida triste e solitária por causa de uma doença que as pessoas tratam como frescura. Quando eu cheguei aqui com a cabeça atormentada, fui informada que deveria fazer tratamento psicológico.
Eu ri, pois nunca imaginei que aqui ainda teria a tal TPM. Eu agradeço doutor por toda paciência que está tendo comigo. Eu entendi, há pouco tempo, que tudo isso veio da negação hormonal. Quando eu me neguei como mulher, ativei a TPM. É como se eu nunca desejasse ser mulher. Eu me irritasse com as regras menstruais. Como se eu achasse que isso me fragilizasse e acredito que tem a ver comigo sim. Eu trabalhava num ambiente masculino e não queria ser inferior a eles, acho que eu mesma menosprezei meus atributos femininos, minhas potencialidades.
Eu nunca imaginei que pudéssemos fazer isso. Descobri que devemos ser gratos por tudo o que Deus nos concede. Por nosso corpo e por tudo o que ele nos permite executar. Gratidão.
MARCILENE
15/07/18

------------------Paula Alves-----------------

“EDUCAÇÃO É TUDO”

Muito difícil a vida de um escritor. Parece que ninguém quer saber de arte. Ninguém quer saber de filosofia. Eu escrevia e levava muito tempo para concluir uma obra. Quando acabava, era um júbilo, contentamento e queria dividir com as pessoas. Eu achava que o que eu escrevia, com toda a inspiração poderia ser gratificante para alguém além de mim, mas eu nunca achei um leitor que realmente quisesse ler minhas obras. Como é frustrante amigo. Tem gente que olha com dó. Dó?
Mas, por quê?
Se eu consegui transpor para o papel uma série de detalhes de tantos pensamentos?
Se eu pude conjecturar e conduzir uma reflexão, sou digno de piedade?
Eu não consigo compreender este raciocínio. Acho que, as pessoas valorizam a coisa errada. A intelectualidade perdeu seu valor, perdeu para o mostrar seu preço. Quem mostra o carro, mostra a casa, mostra o relógio mais caro, ganha. Que triste!
Eu fiz tanto e nunca ninguém desejou ler nada. Foi meu fim. Cada livro que consegui publicar foi minha ruína. Tudo custou. Não é como hoje em dia que vocês conseguem publicar sem nenhum tostão. Naquela época, eu trabalhava para isso e nunca quis ficar rico, quis que lessem. Nem parente quis ler. Eu respeito os famosos porque precisaram ter o apoio de alguém que leu o seu trabalho. Eu lhe respeito amigo. Não é fácil. Só quem passa por isso para saber. Queria mesmo que as pessoas conseguissem enxergar quantas coisas belas tem num livro. Que elas conseguissem aproveitar melhor o tempo delas. Parar com bobagens que levam a destruição de valores. Esta estupidez que arrasta para marginalidade. Sei que no meu caso foi prova por ter desonrado meu talento em outra encarnação.
Mente brilhante que foi judiada com álcool. O importante é que na próxima, certamente conseguirei com o apoio que será colocado bem perto de mim. Voltarei como escritor e espero ser bem sucedido porque, apenas as boas obras podem conduzir um povo. Educação é tudo.
MIGUEL ARRAES
15/07/18

-----------------------------------Paula Alves---------------------------------

“POR QUE SERÁ QUE A GENTE TINHA QUE ENCONTRAR AQUELA MALANDRA PARA TAPEAR A GENTE?”

As mãos já estavam com calos, mas era a coisa mais linda aquelas cortinas depois de prontas. Renda, tudo à mão. São muitas mulheres que ganham a vida e formam família com serviço digno. Trabalhando em casa e cuidando das crianças. As meninas aprendiam desde cedo, logo já estavam com as madeirinhas trançando. Minhas mocinhas já cedo faziam toalhinhas para vender na feira. Tudo tão lindo e era tão trabalhoso seu moço. Deu de um dia aparecer mulher da cidade. Disse que ia fazer enxoval. Ficou encantada pela renda. Queria de um tudo. Cortina, roupa de cama, forro, toalha e cismou que queria um vestido. Eu disse que fazia, mas falei que levava um tempo. Cobrei e ela falou que pagava. Acertamos tudo e a mulher ficou esperando. Eu e as meninas fizemos tudo apressadas para cativar a cliente e esta mulher veio buscar tudo com cheque. E eu lá entendia de tal de cheque? Fiquei com medo, mas tive que confiar porque a moça era distinta e me falou que iria se ofender porque eu estava desconfiando da honestidade dela.
Não deu outra... A mulher me passou a perna, acredita? Foi tanto material. Eu fiquei devendo no armazém do seu Dodô. E não tinha dinheiro para receber porque o cheque era frio. Eu lá entendia de cheque frio? Que raiva! Eu trabalhei tanto com as meninas e nada de dinheiro.
Eu fico pensando... Por que será que a gente trabalhou tanto e nunca tinha dinheiro?
Por que será que a gente tinha que encontrar aquela malandra para tapear a gente?
Eu sempre fui honesta e tinha que ser enganada?
Fui dormir chorando sem entender. A vida passou e quando eu cheguei aqui ainda tinha isso guardado na memória né doutor?
O senhor estranhou porque já fazia tanto tempo né? Eu gostei de saber da resposta. Estava achando que era porque eu tinha feito mal na outra vida. Achei que era prova para abrandar meu sentimento. Eu estava achando que eu tinha sido rica ruim em outra, mas não. Fiquei muito feliz quando o senhor explicou que a gente atrai gente de todo tipo.
Muitas vezes, a pessoa que a gente atrai tem alguma coisa em comum porque semelhante atrai semelhante, mas principalmente porque a gente troca aprendizados e marca as pessoas com nossas ações. A mulher ficou bem encantada com nosso trabalho. Ela percebeu que trabalhamos muito. Eu e minhas filhas também, ainda pequenas. Quando ela levou a roupa, ela casou, arrumou a casa e ainda usou o vestido. Por muitos anos, ela olhou as peças e lembrou sempre de nós. No início foi difícil, mas aos poucos, ficou na mente dela e ela foi usando como referência para as ações dela. Ela nunca mais roubou. Foi ficando zelosa com as coisas, trabalhadeira e cuidou bem dos filhos que teve, lembrava de mim. Eu até chorei doutor. Fiquei tão feliz de saber que meu gesto fez ela se tornar uma pessoa melhor. Sou muito agradecida por este tratamento que tive.
MARIA NICETE
16/07/18


---------------------------Paula Alves------------------

Eu me lembro de todas as torturas, dos vivos e dos mortos. Não importa o mundo. A gente é o que é. Eu era carcereiro quando estava na carne. Fazia o que tinha de ser feito. Devia obediência para os coronéis e quando eles precisavam de uma informação, a gente resgatava a informação na marra. Fui bem pago. Minha família viveu bem até que me pegaram. Sofri bastante, mas nunca fui florzinha, não esmoreci. Foi de cabeça erguida que me arrancaram todas as unhas. Não tinha o que falar. Naquela noite eu já sabia que tinha acabado para mim, mas não. Quando o corpo caiu todo arrebentado, eu saí inteiro. Parece que era um novo homem, cheio de força e coragem. Eu vou te dizer que senti como se estivesse crescendo um metro.
Aquele corpo me detinha. E eu desencarnei e renasci. Cresci e imediatamente se aproximaram de mim criaturas estranhas que me tinham devoção. Levou tempo para eu readquirir lembranças e perceber que eles já me aguardavam. Todos eram conhecidos distantes que me esperavam. Eu dei uma bela demonstração de coragem e perseverança. Os momentos finais desta vida me permitiram ser adorado por eles. Eu estava vivo, tinha força, vitalidade e bravura. Saímos de lá e eu tinha um espaço me aguardando na zona inferior.
Nunca imaginei que um dia estaria aqui contando esta história. A verdade é que depois de centenas de anos, eu fiquei saudoso. Eu me cansei de não sentir nada por ninguém e comecei a me questionar se eu também não tive alguém como todos aqueles que nós torturamos. Todos defenderam alguém. Todos choraram por alguém. E eu fiquei fazendo questionamentos que foram desfazendo minha característica mitológica. Meus subalternos estavam estranhando e eu tentei partir, mas fui preso. O mal é como um verme, um veneno, um câncer.
Não existe a posição que está longe de ser ferida. Ela sempre esteve por perto não é? Sempre. O que me choca é pensar que ela fez tanto para me salvar. Ela fez de tudo para me trazer para cá e mudar minha posição. Quando finalmente consegui enxergá-la e pude ser trazido, ela partiu. Por que tudo isso? Por que Deus coloca as pessoas tão perto e as tira de nós?
Ela teve que retornar para nova tentativa e eu fiquei só. Tudo o que fiz na revolta me afirma que este Pai que vocês insistem em devotar, ri de nós. Eu não quero ser marionete. Eu quero ter escolha real. Escolha de verdade.
Da outra vez, você falou que era blasfêmia, mas por quê?
Da outra vez você falou que eu também partirei para nova tentativa e que irei reencontrá-la, mas pra quê?
Eu vou me esquecer de tudo. Eu sinto como se fosse um jogo. É como se ele ficasse observando as pessoas atordoadas, cegas e iludidas. A gente esbarra em quem ama, a gente vê quem conhece e não reconhece ninguém. O que adianta ficar perto dela deste jeito?
Eu que sempre fui do mal, só mudei por causa dela e posso cometer o mal de novo. Quem vai me impedir?
JEFERSON
15/07/18  

------------------------Paula Alves----------------------

Foto cedida por Magno Herrera Fotografias


“É DIFÍCIL PEDIR”

O que é comprometimento pra você?
Trato?
Acordo?
Combinação?
Eu precisava dele. É difícil pedir. Não tem a ver só com orgulho não. Tem a ver com “não querer incomodar”. Às vezes, é uma questão de constrangimento. Quando você fica cismado em pedir porque não quer ouvir o não. É meu filho, mas nunca estava para mim. Era tão difícil encontrar com ele depois de adulto. Teve uma vez que a minha TV queimou, era meu único divertimento a danada da TV e eu queria uma nova. Pedi para ele me levar na loja, eu não conseguia andar muito e pedi para ele.
Ele me deixou esperando dois meses e quando chegou à minha casa com pressa, falando que só foi para comprar a TV, ficou muito irritado quando viu que eu já tinha comprado, virou as costas e foi embora e não perguntou como eu estava. Eu fui com o vizinho.

Ele combinou comigo que ficaríamos juntos. Ele combinou que mesmo sem a mãe dele nós seríamos uma família e não foi isso o que aconteceu. Eu queria que ele fosse à minha casa com a família dele. Eu queria ver meus netos e queria brincar com eles, mas não tive nada disso. Eu pedi sim, pedi muitas vezes que fossem me ver. Eu quis estar com eles no Natal e nos aniversários, eu quis. Passei sozinho, todos os dias especiais e os outros também. Ele não foi me ver. Por que será que nunca pensou em mim?
Eu não o maltratei, nunca. Eu o amo.
Mas, num belo dia, ele teve que receber o telefonema do vizinho dizendo que eu havia morrido. Ele ficou com raiva do moço porque atrapalhou uma reunião. Pensou no dinheiro, mas eu já tinha providenciado tudo, o lugar para me enterrarem. Nunca imaginei que presenciaria tudo. Toda a falta de respeito que ele teve comigo. Eu estava lá quando ele falou para a esposa que eu só o infernizava. Eu ouvi quando ela perguntou por que eu ficava tão sozinho e ele disse que tinha vergonha de mim, dos meus modos, da nossa casa. Ele não queria que os filhos ficassem comigo. Ele não honrou o que fizemos por ele e naquele momento eu o odiei porque eu podia ter tido família. Eu dei uma família para ele, eu fui a família dele e quando fiquei velho, ele me largou como um sapato sujo e sem uso. Eu o odiei e sou muito magoado por isso. Por todo o tempo que perdi com ele. Por tudo o que me privei de viver por causa dele. Por minha esposa, por todas as dores e privações, por todo o desespero que passamos para que ele se formasse, por todas as noites que passamos atrás de médico para tratar as doenças de infância. Eu sei que é revolta e eu me sinto humilhado pelo jeito que aquela criatura falou de mim. Eu não sou isso que ele falou. Já faz cinco anos doutor. Eu fui direto para casa dele e virei um obsessor do meu próprio filho porque eu não conseguia me separar dele por mais que me esforçasse. Tudo me irritava: o seu orgulho, o seu temperamento vingativo, a sua falta de delicadeza com a esposa e as traições, a mesquinhez no trabalho, tudo. Eu compreendi que não o conhecia. Não sei como poderei reverter estes sentimentos e peço ajuda.
EVERALDO
22/07/18

-----------------Paula Alves---------------

“PRECISAR DA AJUDA DE ALGUÉM E PERCEBER QUE É TUDO DE MÁ VONTADE, É TERRÍVEL”

Eu aguardei o dia todo porque só ele podia me dar banho. Depois de um AVC fiquei com muitas limitações e minha senhora não conseguia me dar banho. A fala também foi perdida por causa do derrame e só o Marcelo aguentava comigo. Eu percebia a cara dele. Eu não falava, não me movia com facilidade, mas a mente permanecia lúcida. Eu via os gestos e a respiração ofegante de raiva e despeito. Ele me pegava com indignação. Me colocava na cadeira com força e, muitas vezes, a dor nas cadeiras era terrível depois disso, era como se ele jogasse um saco de batatas. Me lavava de qualquer jeito, com nojo e, por diversas vezes, senti a água quente demais ou gelada, eu nem gostava mais de tomar banho. Teve um dia que eu caí da cadeira. Foi terrível, bati a cabeça e o sangue jorrou, ele ficou nervoso, gritou, me chamou de inválido, velho imundo. Eu quis esmurrá-lo, sorte dele aquele corpo estar inválido e enfraquecido.

A pior coisa que uma pessoa deve enfrentar na carne é a invalidez. Precisar da ajuda de alguém e perceber que é tudo de má vontade, é terrível. Minha esposa tinha a maior paciência, ela pedia para ele se acalmar e me limpava do jeito que podia. Meu filho nunca percebeu que tudo aquilo era motivo de glória para a gente. A minha expiação podia ter elevado toda a família. Ele vivia reclamando e me maltratava sempre que podia. Fazia tudo com tanta raiva que estava sempre me machucando, mas o corpo sara, a alma é que fica ardendo, latejando de indignação, de tanta tristeza. Será que ele nunca percebeu que eu sentia falta dele e eu me incomodava muito com os maus tratos?

Eu preferia ter morrido do derrame a ter de presenciar tantos olhares de revolta do meu filho. Eu sei que foi necessário e eu já estou muito melhor. Agradeço pelo tempo de sequela que me fez perceber tantas coisas. Eu hoje posso valorizar belezas que antes eu não enxergava. Para mim foi um bendito remédio. Não o culpo, mas eu senti a dor do abandono para nunca fazer isso com ninguém. Quem tem seus pais vivos que possam amá-los com dedicação, carinho e honestidade.
BALTAZAR
22/07/18

---------------------Paula Alves------------------

“AS PESSOAS SÃO TÃO EGOCÊNTRICAS QUE CONSEGUEM PASSAR NA FRENTE DO PRÓPRIO DOENTE”

Quem poderia imaginar que, de uma hora para outra, eu ficaria acamada? Precisando de tudo e de todos. É tão triste porque as pessoas que antes estavam sempre a sua volta, de repente, desaparecem e aí nós temos a certeza de quem são nossos verdadeiros amigos ou não. Meus amigos que eram tantos foram reduzidos a unidade. Eu já não era bela, arrumada e nem tinha predicados depois das escaras e das fraldas. Eu precisava de pouco, uma conversa e esperança, mas meus amigos de antes diziam que preferiam não me ver porque eu os entristecia naquela condição de tanto que eles gostavam de mim. Será?

Por que se a minha condição os entristecia tanto por que eles não me viam para me alegrar um pouco? As pessoas são tão egocêntricas que conseguem passar na frente do próprio doente. Triste! Eu precisava de pessoas que me amassem por uma coisa qualquer que me tornava um ser único e indispensável em suas vidas.

Minhas filhas estiveram sempre do meu lado e percebi que a idade não é fator preponderante porque a Sofia era novinha e percebia tudo. A menina foi tão amável, tão delicada. Ela contava histórias para mim e eu ficava encantada com ela, descobri que minhas filhas são seres incríveis. A minha mais velha, Estela, cuidava de tudo, dava apoia para a irmã e me tratava como mãe, como se ela fosse minha mãe. Penteava meus cabelos e pintava minhas unhas. Elas se tornaram minhas melhores amigas e quando as dores ficavam muito intensas me faziam rir tanto que eu até esquecia da doença. Eu sou tão grata. Deus sabe de tudo. Faz tudo tão perfeito que as máscaras caem. Só quem ama é capaz de amar numa situação destas. Eu não vou usar meu espaço para reclamar dos amigos que me abandonaram, eu vou usar esta oportunidade para manifestar minha adoração por duas meninas que ficaram supergarotas. Tão especiais e meigas a mamãe ama vocês. Aqui é tudo muito lindo. Eu já estou bem e feliz porque sei que vocês terão tudo.
Vocês serão mulheres maravilhosas, princesas. Eu estou sempre por dentro de tudo, eles me contam, eu tenho notícias e sim, estarei presente. Eu estarei com vocês em todos os momentos importantes. Eu estarei com vocês na formatura e nos casamentos. Lembrem-se de tudo o que ensinei. Sejam cordiais, sinceras e tenham pudor. Nunca permitam que ninguém destrate vocês. Saibam se valorizar porque vocês são joias.
NÍVEA
22/07/18

-------------------------------Paula Alves---------------------------

“NÓS NÃO NOS SEPARAMOS DE QUEM AMAMOS”

Parecia que a minha cabeça ia explodir. Eu queria ficar acordada, mas a dor não deixava, então, o médico aconselhou a tomar remédios que iam facilitar o tratamento, mas eu dormia tanto. Achei estranho que no meu sonho eu encontrava um rapaz lindo e me sentia tão bem. Eu até falei para mamãe que parecia que ele era de verdade. Estranho porque o rapaz aparecia nos meus sonhos cada vez mais e isso me dava conforto. Eu não tinha namorado e sempre quis viver um grande amor. Eu ficava ansiosa para dormir na esperança de encontrar com ele. Quando eu acordava, ficava triste porque normalmente estávamos conversando de forma animada e eu queria mais, eu queria estar com ele. Fiquei tão intrigada, não compreendia como era capaz, mas mamãe que sempre tinha explicação para tudo porque é psicóloga, falava que era uma criação mental.

Eu o criei porque era tudo o que eu queria. Ele era o homem dos meus sonhos literalmente. Eu fantasiava tanto com ele que quando dormia eu entrava em contato com ele. Ela me falou que era até melhor porque assim ela sabia que eu não estava sofrendo. A doença foi se agravando e a quimioterapia não estava fazendo efeito. Todos sabiam que meu fim estava próximo e percebi minha mãe tão distante, entristecida. Era como se tivessem dito para ela que a batalha foi perdida. E eu só queria dormir para encontrar Antônio.

Foi aí que ele apareceu no sonho e disse que na próxima noite estaríamos juntos de vez. Era para eu ficar com a mamãe o maior tempo possível, aproveitar tudo porque o sofrimento iria acabar. Eu entendi que ia morrer e não fiquei com medo porque ele estaria comigo. Não contei para mamãe porque fiquei com medo da reação dela. Ela não acreditaria em mim. Talvez acredite agora porque só ela sabia do Antonio. A verdade mãe é que depois que deixei aquele corpo doente foi que minha vida começou de verdade. Ele é mesmo o homem da minha vida, não só desta como de muitas outras. Deus é tão bom.

Nós não nos separamos de quem amamos. Eu estive encarnada e doente porque precisava aprender um monte de coisas, mas ele esteve pertinho de mim, sempre. Quando dormia me encontrava com ele e recebia dicas e orientação. Foi o que me estimulou com alegria e esperança. Não sofra mãe porque a vida é eterna e eu ainda vou te encontrar. Te amo.
VITÓRIA
22/07/18


------------------------Paula Alves------------------------------------

Foto cedida por Magno Herrera Fotografias

“NÃO TEM ACORDO QUE MUDE O RUMO QUE DEUS QUER PARA NOSSA VIDA”

Desde menina eu sempre ouvi dizer que era só acender uma vela para o santo e eu era tão devota que fiquei preocupada quando não arrumei um namorado. Já estava com quinze anos e nada de moço querer namorar comigo. Eu me apegava no santo e orava, fiz novena e nada. Minha irmã mais nova arrumou pretendente e eu nada. A Maria Antônia casou e eu nem tinha par no casamento.

Achei melhor viajar, principalmente depois que a Leonilda chegou em casa com pretendente. A Léo era três anos mais nova que eu, quase morri de vergonha. Era cidade pequena e o povo falava. As moças todas ficavam apontando e eu não gostava, aí viajei pra casa da tia Domingas. Eu achei que fosse só passar um tempo, mas gostei da cidade grande e logo arrumei um emprego. Tinha tanto moço bonito, mas nada de arrumar pretendente.

Fiquei amiga de uma moça que achou bem estranha minha situação porque eu nem era feia, mas não atraia ninguém. Ela me convenceu a procurar ajuda em outro lugar porque o Santo Antônio parecia estar de brincadeira com a minha pessoa. Eu nunca tinha ido num terreiro e estranhei, fiquei com medo, assustada, se a mãe soubesse ia ralhar muito comigo. Quase corri dali quando um sujeito falou de forma estranha coisas da minha vida e disse que fizeram trabalho para mim. Eu não ia arrumar marido de jeito nenhum. Eu tinha que desfazer o negócio. Fiquei desesperada e fiz tudinho o que aquele cara me explicou, minha amiga me ajudou, ela já entendia bem daquilo tudo. Fiz o tal trabalho e fiquei no aguardo porque ele me garantiu que eu ia voltar casada para minha cidade. Só que o tempo passou, eu não arrumava ninguém, ao invés disso, comecei a me sentir mal. Parecia até que eu tinha ficado doente, mas ninguém sabia o que eu tinha. Voltei para casa da minha mãe e me sentia mal, deprimida, com sensações tão estranhas. A vida foi ficando vazia para mim. Eu me sentia cansada daquilo tudo, parecia que não tinha razão de viver.

O fato é que as pessoas foram se arrumando e eu nada, parecia que família não era para mim. Sei lá doutor, só quem pode resolver a nossa vida é Deus. Não estava escrito que eu deveria me casar. Eu ajudei minhas irmãs, fui ficando mais velha, meus pais se foram e eu ia direto para casa de minhas irmãs para ajudar com os filhos e foi assim. Aquela sensação de vazio só melhorou pouco a pouco depois que eu voltei para a igreja. Eu gostava do santo e pedi perdão. Ele não devia ter culpa da minha solteirice e eu fiquei achando que aquele guia não tinha tanto poder assim, senão tinha me dado um marido como me prometeu. Foram tantas dúvidas, mas eu só entendi quando cheguei aqui. Claro que eu quis saber por que tive que ficar sozinha e me explicaram. Se eu tivesse tido a minha família, não teria ajudado minhas irmãs e meu plano estava ligado ao plano delas. Eu tinha feito muito mal para as duas, desfiz famílias, arruinei negócios, elas passaram muita privação e eu prometi que iria mostrar para elas o quanto poderia ser boa para ambas. Eu jurei que poderia me privar de tudo para beneficiá-las. A gente escolhe né doutor, depois esquece e ainda reclama. Vai atrás de promessas, mas ninguém pode mudar o plano de Deus quando está traçado. O tal do guia me prometeu tanta coisa, mas ele sabe tanto quanto nós. Eu me sentia mal por influência dele. Fui atrás de ajuda e fiquei pior. Eu não o culpo porque cada um só faz o que pode e compreende. Ele também tem o caminho dele e um dia vai entender que ninguém compra felicidade. Não tem acordo que mude o rumo que Deus quer para nossa vida. Aquele que tenta barganhar se arrepende. EU ACHO QUE A GENTE AINDA NÃO ENTENDEU QUE TEM QUE SER GRATO POR TUDO O QUE RECEBE E NÃO FICAR RECLAMANDO DO QUE NÃO TEM. Eu agradeço agora que soube que tinha que ter sido assim.
MARIA ISAURA
29/07/18

-------------------Paula Alves------------------

“ENTENDO QUE DE QUALQUER FORMA A VIDA PODERIA TER ME BENEFICIADO, MAS EU SÓ RECLAMEI”

Eu só trabalhava para comprar remédio. Quando me envolvi com ela pensei que a mulher fosse saudável. Ela era bonita demais, porém era delicadinha. Eu via que a família a tratava com muitas frescuras. Eu era estudante de engenharia e me encantei com ela. Meu coração pulsava forte quando ela se aproximava de mim e decidi me casar. Imaginei que pudéssemos ter uma vida normal, um casamento com filhos e uma casa tranquila. Achei que eu fosse manter a casa e ela iria cuidar da família, mas ela passou por momentos preocupantes na primeira gravidez. Precisou de repouso e de mim. Eu já estava tão cansado porque não conseguia dormir. Ela me chamava a noite inteira e de manhã eu tinha que sair cedo para o trabalho. O fato é que ela não conseguiu segurar o bebê e nós o perdemos. Eu senti muito. Nunca imaginei que sofresse tanto a perda de uma criança que nem mesmo conheci. Depois, nem tive muito tempo de sofrer porque ela chorava demais e estava sempre me chamando.

Eu fui perdendo a paciência, ficando irritado de tanto cansaço. Achei estranho que ninguém perguntava como eu me sentia. Aquela criatura sofria sozinha, era tudo com ela. Eu comecei a olhar para ela diferente e fui perdendo o interesse. Ela se recuperou da perda do nosso bebê, mas continuava com as manhas. Ficamos sabendo que ela tinha diabetes e precisei aplicar insulina porque ela nem conseguia pegar na seringa. Olha, foi difícil para mim. Não tinha como durar. Eu tinha vontade de sair correndo porque me senti anulado. Eu queria me separar, mas não sabia como dizer isso para ela. Conversei com um amigo que me aconselhou a separar, mas eu não tinha coragem de abandoná-la.

Eu sei que a vida foi assim, fui vivendo por viver e me condicionando a aceitar qualquer coisa para não afligi-la. Compreendi tarde demais que nós nos unimos por interesses que não estavam ligados ao amor. Eu me envolvi com a beleza dela e ela se acostumou a ter os meus cuidados. Depois de vinte anos assim, sem filhos, frustrado e arrependido, descobri que eu estava com câncer de próstata. Foi tão rápido, acabou comigo. UM CASO TÍPICO DE PROBLEMA PSICOSSOMÁTICO QUE DESTRÓI TUDO. Eu não a culpo. Eu culpo minhas escolhas. Minha falta de maturidade para decidir, minha falta de coragem para mudar. A gente se acostuma e se acomoda. Eu podia ter usado bem esta chance. Desviei tudo do meu caminho. Não era para ser com ela, não era para ter sido assim, eu mudei tudo. Eu escolhi tudo diferente. Entendo que de qualquer forma a vida poderia ter me beneficiado, mas eu só reclamei. Se eu tivesse cuidado dela com amor, se eu tivesse me dedicado poderia ter me elevado a partir desta experiência, mas eu não melhorei em nada. Estou me sentindo fracassado. Ela ainda está encarnada. Eu nem imaginei que sofreria tanto por mim. Eu nem imaginei que ficaria ao meu lado até o fim. Acho que ela aproveitou meu momento difícil para evoluir.

Com certeza saiu diferente desta situação. Minha esposa deixou as manhas de lado para cuidar de mim. Ela se ergueu e se tornou uma pessoa forte mesmo. Eu até desconheci. Para ver como tudo depende de um pouco de boa vontade da nossa parte. Agradecido pelo espaço.
BRUNO
29/07/18

--------------------Paula Alves---------------------
“EU CREIO QUE PODE DAR CERTO COM CONHECIMENTO E ESFORÇO, TRABALHO SÉRIO E UNIÃO”

Eu tinha tanta vontade de mudar a situação. Eu queria favorecê-los. Queria que eles percebessem o quanto têm potencial. Eu lecionei por amor. Sempre me esforcei para aprender porque sentia que um dia iria ensinar. Desde pequeno fui aluno exemplar, tirava boas notas, era autodidata. Não foi fácil me formar, não fui rico, mas fui esforçado, dedicado, eu sentia que tinha de ser assim. Fui lecionar com orgulho de ser professor e, numa escola do subúrbio, me dediquei com todo o empenho para mostrar aos jovens que eles podem se formar e prosseguir nos seus estudos. Eu desejava apoiar a renovação mental, a estruturação de uma sociedade esclarecida. Eu creio que pode dar certo com conhecimento e esforço, trabalho sério e união.

Mas, era tudo mais grave do que eu imaginava. Assuntos relacionados a pobreza e marginalidade tão complicados que me deixaram num marasmo mental. Não eram só as questões de física, química, mas a problemática financeira e de vícios, de falta de organização doméstica, violência e abuso. Eu senti que não estava preparado para me deixar envolver com estas questões e pensei em me afastar daquele local. Achei estranho porque dentro de mim eu ouvia uma voz que me pedia para continuar. Meus colegas diziam que eu estava me envolvendo demais com questões pessoais dos alunos, mas minha consciência afirmava que eu devia prosseguir. MUITOS NÃO DESEJAM O POVO ESCLARECIDO. MUITOS.

A gente ofende quando deseja fazer ver, fazer mudar a atitude, a gente afronta quando discorda da maioria. Eu passei a ser uma pedra nos sapatos de algumas pessoas e um dia vieram me procurar. Um vereador e um traficante. Achei estranho quando notei que eles tinham ligação. Me falaram que eu devia ir trabalhar em outro local porque sem querer eu estava atrapalhando a ordem da cidade. Eu fiquei assustado e senti que minha vida iria mudar, mas eu continuei com meus princípios. Meus alunos estavam se modificando e abandonavam alguns estilos de vida por minhas orientações, eles estavam gostando dos estudos. Eles estavam se tornando conscientes. Achei que eu não poderia mudar nada, mas me senti feliz por perceber que quando estamos empenhados em propósitos nobres tudo conspira a favor e as pessoas sentem nossa intenção. Eu levei um tiro que surgiu do nada e nem quis saber quem foi que me mandou para cá. Não importa. Fui bem tratado e quase não sofri. Ainda tenho pesadelos com o golpe que levei, mas em breve terei alta.

Estou muito satisfeito de saber que superei as expectativas dos meus instrutores. Eu só tirei o bem disso tudo e informo que acima de tudo Deus, sempre Jesus e a certeza de que devemos fazer o bem para todos.
PROFESSOR DIEGO

-------------------------Paula Alves--------------------------
“EU QUERIA AJUDAR”

No inicio, eu tinha vontade de mudar a vida do povo. Eu quis ajudar porque também fui pobre. Eu vim de vida de trabalho severo e sempre achei que as pessoas podiam ter a vida facilitada. Quando se é pobre se entende o que é primordial.  Pobre sabe o que é ficar sem água ou esgoto, o que é passar frio e fome, ver criança doente sem ter atendimento médico. Eu queria ajudar.

Quando me candidatei nem pensei que teria voto, mas me surpreendi. Fui bem votado porque todo mundo conhecia a gente na cidade e minha família sempre foi direita, todos muito trabalhadores e honestos, então, o pessoal votou em mim esperando mudança. Eu me iludi e desviei tudo. SER BAJULADO NÃO AJUDA EM NADA, É TUDO ENGANAÇÃO, SOMOS USADOS.

Sempre tem um peixe maior que você e nada é de graça, a gente se vende. E o que vende é a alma porque quando entrega a vida das outras pessoas atraia um débito grande demais. Sei que foi impossível me livrar daquele bando de aves de rapina sem me aliar. Minha esposa ficou desesperada quando falei o que me proporam.

 A gente ganha, mas não lidera nada, tem sempre gente por trás ditando as regras, dando as ordens.

Ela estava preocupada com nossa honra, com nossa palavra. Ela sabia no íntimo do ser que daria errado e a cidade inteira estaria contra nós, mas o que eu podia fazer? Eu já não sabia mais viver sem a mordomia toda, sem festa, bajulação, gostei do carro e das roupas. Eu me aliei. Venci e entreguei tudo para eles, minha esposa quis separar, mas não podia ter escândalo, eu a agredi, arruinei tudo. Nunca imaginei que sofreria tanto.
 A GENTE É POBRE E CRITICA POLÍTICO E NEM SABE QUE POLÍTICO FICA NUMA SINUCA DE BICO.
Depois de um tempo, de tanto sofrer, fiquei rico e cai no esquecimento. Minha esposa se separou e nem meus filhos quiseram saber de mim. Estava desmoralizado por tudo o que não fiz. Tantas promessas que não passam de mentira. Vivi e morri sozinho, numa casa tão grande e ninguém para conversar. Quando cheguei deste lado padeci horrores. Todos me cobrando, achei que ninguém me conhecia e lá estavam eles dizendo que arruinei a vida, que roubei, ladrão, ladrão, corrupto, era o que falavam, correram atrás de mim e me prenderam. Eu fui resgatado por ela que nunca se esqueceu de mim. Eu poderia ter feito tanta coisa, mas político não quero ser nunca mais, deve ter outro jeito de ajudar. Cheguei aqui tão alucinado com meus desesperos. Eu me arrependi, não devia ter seguido este caminho. Não sei por onde começar a reconstruir minha identidade.
SOARES
29/07/18 



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