Fotos cedida por Magno Herrera Fotografias
“SILENCIAR
E ACOLHER DO FUNDO DO CORAÇÃO”
No
fundo todo mundo sabe o que as pessoas desejam ouvir. Eu não me descreveria
como uma pessoa falsa ou dissimulada. Eu tentei ser amiga dela. Eu tentei
mesmo, mas eu tinha ambições, eu merecia alcançar o sucesso. Ela desabafava.
Era tão simples para eu ficar ouvindo. Ela falava tanto que me colocava de
olhos bem abertos para saber tudo o que se passava na casa dela. Falava das
brigas dos pais e da maneira como eles se distanciavam. A mãe dela era super
ciumenta e o pai gostava muito dela, mas estava sempre entristecido com o
comportamento da esposa. Eram tantas brigas que minha amiga ficava nervosa com
a mãe e me entregava tudo o que se passava no ambiente doméstico.
Fui
me interessando pela vida deles. Estranho como fiquei fascinada pelo assunto.
Chegou num tempo que eu perguntava como estavam, se haviam feito as pazes e ela
sorria, me achava a melhor amiga do mundo. Minha atração foi crescendo e quis
saber da vida financeira da família porque minha amiga estava sempre bem
vestida e era bem educada, tinha joias. Desconfiei que tinham posses. Ela me
confidencializou tudo. O pai era empresário e tinha muito dinheiro. Aí foi
fácil. Eu já sabia de tudo e comecei a armar situações para me encontrar com
ele.
É
verdade que fiz tudo intencionalmente, mas sempre acreditei que deveria ir atrás
dos meus desejos. Eu me insinuei e ele se apaixonou perdidamente. Isso é o que
dá quando a esposa não cuida. Ao invés de viver o amor, fica plantando a
infidelidade. Tanto criou que apareceu mesmo.
Eu
gostava dele, mas não tanto quanto dos presentinhos que ele me dava. Aquela
situação começou a me incomodar porque eu não queria ser a outra e fiz de um
jeito que ela soubesse de nós. Depois disso, eles se separaram e eu virei à
esposa. Verdade que não foi simples porque eu cheguei a apanhar da Gisele, a
amiga que se sentiu traída por mim. Ela
foi esperta e disse que eu fiz de propósito. Eu senti a dor da separação da
Gisele porque demorei a entender que amizade é joia rara.
Depois
de alguns anos, eu entendi que nada vale um sentimento sincero. Nada do que recebi
de Alfredo, joia, casa, carro... Nada supria o que perdi de mais caro, a amizade
da Gisele. Eu demorei a entender que eu agi errado. Eu não o amava. Eu só
pensei na vida mansa. Eu vendi a amizade, meu corpo, meus sentimentos. Nós
nunca fomos um casal. Acho que ele ficava comigo na maior tristeza porque ainda
pensava na ex esposa. Estranho porque eu era muito mais nova, muito mais bonita
e atraente, mas não era isso que bastava para ele.
Ficamos
como infelizes num relacionamento que não foi para lugar nenhum. Ficamos
juntos, a Gisele nunca mais quis falar com o pai e nem comigo. Logo, eu adoeci.
Sentia dores terríveis no estômago e nem de longe poderia imaginar que estava
tão mal. Minha consciência tentava me alertar que eu era ruim, errada, mas eu
fui forte, durona e não a procurei para pedir perdão. Tudo errado. Hoje, compreendo
que deveria ter sido leal à amizade dela. Quando alguém procura desabafar, nós DEVEMOS HONRAR A SUA ESCOLHA de nos
procurar. SILENCIAR E ACOLHER DO FUNDO
DO CORAÇÃO. Não sei se, um dia, ela irá me perdoar, mas se ela conseguir
ter acesso a esta carta, desejo que saiba que estou arrependida.
DEISE
01/07/18
--------------------------------------------------Paula
Alves----------------------------------
“NÓS
SÓ ATRAÍMOS PARA PERTO DE NÓS OS NOSSOS SEMELHANTES”
Era
vício e ainda hoje é difícil falar disso. Eu ainda era bem novinha quando
descobri meu corpo. Logo, fiquei entusiasmada com os rapazes. Tive muitos
namorados e meu pai ficou enfurecido quando descobriu que eu cabulava aula para
namorar. Nossa! Como eu apanhei. Ele não conversava não, batia mesmo. Acho que
minha mãe devia ter conversado, mas não sei se ia adiantar. Eu também acho que
é um problema psicológico, tomara que o tratamento me faça ficar melhor.
Apanhava
do pai, mas não ligava muito. Eu era esperta, fugia dele e ia me encontrar com
o namorado. Enganava até o namorado porque nunca estava só com um. Eles faziam
todas as minhas vontades porque eu sabia conquistar, fazia beicinho, charminho
e conseguia tudo o que queria. Um nunca desconfiava do outro. Meu pai achou que
eu devia me casar porque já estava ficando falada. Eu não queria me casar
porque sabia que não seria fiel. Mesmo assim, o pai arranjou noivo para me
livrar da língua do povo. O pai foi tão esperto que encontrou um noivo de outra
cidade que casou comigo e me levou embora dali. Eu sei que o meu pai, apenas se
livrou do problema porque eu nunca mudei.
Casada
e traia o marido. Meu esposo era bonzinho, coitado. Não sabia o que fazer para
me alegrar, mas ele só me irritava porque eu não gostava de homem assim. Eu não
o amava, sabia que tinha que respeitar, mas era mais forte do que eu. Ele ainda
arrumou trabalho de noite, aí eu me esbaldava. Ia para a boate, dançava a noite
inteira e beijava, namorava. Que dó do Afonso. Eu não devia ter feito nada
disso doutor, hoje eu sei. Horrível uma mulher leviana, traidora. A mulherada começou
a ficar raivosa porque eu dava mole para os maridos e foram contar para o
Afonso. Eu que pensei que meu marido era mole.
Ele
armou uma situação e me pegou no flagrante no meio da pista de dança toda
requebrando com um paquera. Ele bateu tanto no cara e me levou para casa pelos
cabelos. Em casa, ele não pensou duas vezes. Quando eu acordei, estava ferida e
mal conseguia andar. Quem diria que eu morreria por causa de ciúmes? Acho que não
foi só ciúmes, foi honra, foi dignidade mesmo. Mulher nenhuma deveria ofender
homem desse jeito, foi demais para ele.
Eu
sinto muito que tenha provocado tanta dor num cara tão legal. Hoje, eu não
tenho mais ódio dele por causa do que fez porque eu sei que fui a pior. Ele me
amou muito, me tratou como princesa e eu fui uma leviana. Que pena! Aprendi que
não se deve tratar homem assim, mas ainda é difícil pensar em sexo, na carne.
Eu sei que tinha gente que me perseguia e me incitava a procurar por homem.
Já
me explicaram que aquele fogo todo não era só meu. Espírito antigo que cobrava
pelos erros do passado e me fazia cair em erro, mas não era só isso. Por este
motivo eu tenho que me tratar né? A culpa foi minha mesmo. Nós só atraímos para
perto de nós os nossos semelhantes.
DJANIRA
01/07/18
---------------------------------Paula
Alves-------------------------
“A VIDA FOI ÓTIMA, NÃO SENTI NEM A
PROVAÇÃO”
Foi
uma vida perfeita. Foi tudo tão bom que eu nem sei se teve provação. QUANDO A GENTE TEM ALEGRIA E GRATIDÃO POR
DEUS TUDO FICA MAIS FÁCIL. Eu não fui rica, nem muito bonita. Eu só sei que
nasci numa família simples que trabalhava de forma digna e deu muito amor para
gente. Tudo começou pelos meus pais que se amavam e faziam tudo de comum
acordo. Um estava sempre ajudando o outro, sempre sorrindo, brincando em casa.
Ela dançava para ele e ele cantava para ela, a coisa mais linda do mundo. Eu
cresci assim. Contavam histórias para gente, brincavam e no frio dormia todo
mundo junto na sala. Eu e meus quatro irmãos. Fui crescendo, a mãe ensinava
tudo para gente, limpar a casa, lavar a roupa, fazer comida e até bordar, fazer
crochê. A moça não era prendada se não fazia engomagem, tricô e era de pequena
que se aprendia de tudo um pouco. Não tinha muito estudo, mas era o suficiente
para encontrar o emprego na fábrica. A vida era boa demais. Não era como a de
hoje que vocês têm que se preocupar com tudo. Com medo até de sair na rua, não
tem serviço, credo.
Passeava
com meus irmãos e conheci um rapaz bom, igualzinho o pai, graças a Deus. Ah!
Como o meu João foi um doce na minha vida. Logo casamos. Numa casinha de dois
cômodos começamos nossa vidinha e fomos nos amparando para receber os filhos
que Deus mandou. Minhas crianças foram formosuras. Não tem do que reclamar
moço. Tudo de bom. Tinha doencinha de criança, a gente levava na benzedeira e
logo curava com chazinho e pronto, carinho de mãe, vai vivendo.
Trabalhando
em casa. Lavava roupa, costurava e o João na firma. Todo mundo foi se criando e
quando a velhice chegou a gente não sofreu não porque nossos meninos sabiam
tratar bem da gente. Não faltou nada para nós, nem carinho nem pão. A moçada lá
em casa caprichava nos cuidados e nosso corpo era forte ficamos uns velhos
animados (risos).
Quando
a morte chegou eu estava pronta. Imagina se eu ia discutir com Deus? Ele chamou.
Tá na minha hora. O coração simplesmente parou e eu fui. Vi minha mãezinha e
fiquei contente de tudo. Eu sabia que seria do jeitinho que foi. Eu tenho
saudades de todos. Tenho saudades da minha família, mas aqui eu também tenho
parente e gostei de ver como eles estão bem do juízo. ESTOU FAZENDO O QUE QUER O SENHOR. Estou seguindo o meu caminho.
Aqui tem muita coisa para fazer, é bom. A vida foi ótima, não senti nem a
provação.
CLEUSA
01/07/18
----------------------Paula
Alves-------------------------
“SEI
QUE MINHA FAMÍLIA SENTIA VERGONHA DE MIM”
Gangrena?
Eu
nem sabia o que era isso. Não sentia dor e nem percebi os dedos pretos. Eu
bebia demais. Estava sempre esmorecido, entorpecido. A cabeça cheia de cachaça.
Tem gente que pergunta por que a gente bebe. Tem quem beba para esquecer, bebe
de tristeza, de alegria, de frustração, de mágoa.
Para
comemorar, socialmente, para acompanhar, fazer brinde. Acho que a bebedeira
está sempre associada a um sentimento. Eu bebia sempre e tinha gente que nem me
conhecia sem ser bêbado. Bebia tanto que saia do bar tombando e caia no chão.
Eu sabia que estava na rua, mas o corpo não reagia mais. Teve um dia que eu
tinha a certeza de que estava acompanhado por uns colegas do bar. Eu comecei a
beber e vi quando eles chegaram, me deram tapinhas nas costas, riram, de vez em
quando eles sumiam, depois voltavam. Eu bebia e eles ficavam bem perto de mim,
mas estranhei porque não tinha copo para eles. Tudo bem porque eles me ouviram
e riram comigo. Quando saí do bar, eles me acompanharam, mas quando eu caí,
eles não conseguiram me levantar e foram embora. Hoje eu sei que eram
desencarnados que estavam me sugando, que horror!
Eu
ficava ali caído e tinha gente que passava perto de mim e ria. Estranho porque
ninguém se comove, ninguém pensa que a gente está machucado ou com dor, que
morreu. Podia ser. Era frequente. Eu sempre ficava assim, bêbado pelos cantos.
Sei que minha família sentia vergonha de mim. Eu não queria que eles se envergonhassem
de mim, mas fazer o quê?
O
fato é que eu não percebi quando o pé ficou preto. Eu não me cuidava mesmo. Se
estava sóbrio, eu tomava um banho de gato para sair de novo, bar.
De
repente, minha filha percebeu que eu estava mancando e quis me levar no médico
quando viu o pé preto. Ela ficou assustada coitada da Isabele, boazinha. Chegou
ao hospital, o médico assustou a menina. Falou de internação, amputação,
medicação, tudo isso e eu não tinha plano de saúde, nem era, nem beira. Como
que eu podia pagar?
Tinha
que aguardar para me atenderem no público mesmo. Rapaz você precisava ver o
modo que eles fazem, é terrível. Mas, eu só percebi o quanto era terrível
porque depois que me sedaram, eu soltei um pouco do corpo e acompanhei todo o
processo para tirar a perna, coisa feia. Ficou pior porque eu perdi muito
sangue, o corpo estava uma tranqueira veia. Não aguentei e quando percebi
estava soltinho do corpo. Tentei voltar, mas não consegui. Aí foi canseira.
Sofri demais, vi todo o meu velório e o sofrimento dos parentes. Fui vagar,
encontrei os companheiros de copo, tentei sugar o álcool, mas é tudo muito
ruim. Que vida estranha! Cheguei aqui faz pouco tempo e estou tentando suportar
a vontade que eu sinto de beber. Será que eu vou conseguir?
ANTÔNIO (Nazinho)
01/07/18
-------------------------Paula
Alves-----------------------
Foto cedida por Magno Herrera Fotografias
“QUEM PERCEBE TEM A OBRIGAÇÃO DE FAZER
ALGUMA COISA”
Vaguei
entre eles e não poderia perceber nenhuma distinção, se em determinado momento,
não tivesse recebido o auxílio oportuno. Éramos todos iguais. Nós e eles totalmente
entorpecidos. Todos nós ansiando viver uma loucura onde todos estão sempre em
festa.
Eu
vivi uma vida medíocre e achei que isso era tudo o que existia. Meus pais nunca
ligaram para mim e para meus irmãos. Nós nos criamos, cada um por si numa selva
de pedra e, em meio a arranha céus, encontramos nas drogas uma forma de tornar
a situação um pouco mais divertida. Era como se nada fosse tão sério ou tão terrível.
A gente saia da realidade e quando estava quase para retornar, se drogava de
novo. Numa destas noitadas eu me soltei completamente do corpo, morri. Não
senti muito não porque a vida após a morte se apresentou para mim exatamente
igual. A diferença é que, deste lado, somos mesmo zumbis. Aspecto terrível de
filme de terror, sedentos por um pouco de ânimo que encontrávamos ao lado dos
encarnados viciados.
Passei
muito tempo desta forma, mas tudo cansa e a mente, em algum momento, nos cobra
a sanidade mental. É importante mencionar que sempre existem seres abnegados ao
nosso lado, a gente é que não enxerga. Não está para isso, mas eles estão bem
perto de nós como verdadeiros anjos da guarda.
Aí
num dia qualquer, eu a vi, resplandecente, dona Marília me deu a mão e eu me
senti tão lúcida. Ela explicou que, se eu me controlasse, poderia ser levada
dali, mas precisava provar que estava no momento propício para ser levada. Eu
ficava de longe para não sugar e pude observar o que de fato acontecia. A selva
de pedra era um refúgio para todos nós que não desejávamos ver a luz do sol,
querendo as sombras. As drogas fazem de nós o grupo dos zumbis e os encarnados
não percebem, mas são todos zumbis sem fé e esperança.
Existem
muitos como eu que não tiveram de suas famílias um pingo de atenção e de afeto.
Será que os pais deles nunca ouviram falar em tráfico, drogas, marginalidade,
prostituição?
Onde
estão estes pais, enquanto eles estão nas ruas?
Será
que os pais são como eles?
Será
que também estão como zumbis, drogados?
Eu
fiquei pensando e atraí para junto de mim um grupo que tentava ajudar. Eles
eram muito íntegros e bonitos, até estranhei. Espíritos empenhados em levar a
luz, mas eles não querem porque só conhecem isso. Eu não sei como vocês vão
fazer para reverter tudo isso. Eu já perdi meu corpo, mas eles ainda estão jogando.
Eles ainda podem aproveitar esta vida. Eles são tão novos e sem juízo.
Será
que não dá pra fazer nada por eles?
Sei
que no meio de meus pensamentos ela voltou. A dona Marília me pegou chorando.
Eu fiquei muito triste de ver que meus irmãos estavam no meio dos menores que
se drogam, que se viciam e se prostituem. Crianças que nem sabem nada de sexo e
dizem ter opção. Escolher o que se nem sabem de nada?
E
dizem que isso é liberdade. Que liberdade? Eles estão encapsulados no mundo das
drogas. São tantos entorpecentes que não conseguem pensar. Eu abracei dona
Marília e chorei sentida. Eu só precisava pensar e desejei sair dali para não
ficar louca. Eu estou aqui há alguns meses doutor. Sou muito grata. Veja minhas
roupas limpas, discretas, nada de shortinho e top. Eu estou diferente e gostei
da mudança. Eu me sinto tão leve e não sou mais feliz porque sei que devo me
mexer. Eu preciso ajudar. Quem percebe tem a obrigação de fazer alguma coisa.
Se, no meio de cegos, você pode ver,
então, tem que transmitir a visão. Eu pretendo me tratar
porque como viciada necessito de desintoxicação para estar aprovada para o
trabalho. Eu pretendo descer e servir na crosta. Desejo ser serva para meus
irmãozinhos necessitados de cuidados. O núcleo dos jovens precisa de toda a
ajuda possível. Pena que os encarnados ainda não perceberam que eles são os
futuros adultos, os idosos do futuro se conseguirem ficar encarnados para isso.
Eu peço a Deus forças para conseguir.
TAMARA
08/07/18
--------------------------------------------Paula
Alves--------------------------------------
“FORAM
ANOS ME QUESTIONANDO O QUE DEVERIA FAZER”
É tanta
gente que eles nem conseguem perceber quem são. Uns felizes, outros sem teto.
No meio da paisagem centenária que fornece um colorido de inspiração, eu vi
pessoas jogadas no chão.
Eu
vi a dor e senti o pesar. Tive inclinações para ajudar, mas não pude fazer nada
porque eles não me viram. Cada um estava sentado num lugar de comodidade e se
recusou a se socializar. Fiquei indignada com a situação.
Como
isso pode ser um cidadão?
As
pessoas se esqueceram do que nos difere dos animais e passaram a viver seus
instintos. Todos desejam e para conseguir o objeto de sua atenção vale tudo,
até cortar a mão. Eu sinto muito por meu jeito de expressão, mas não ficou nada,
nem um pedaço de pão. As crianças clamavam um abraço ou um aperto de mão e
aquelas que poderiam lhes beneficiar, negaram atenção justificando o desejo
pela ascensão.
As
mulheres estavam mudadas não tinham mais o instinto maternal, mas o de posse e vaidade.
Os homens apresentavam uma fraqueza que era tão singular, não era fraqueza
antes era carência afetiva pela falta da mãe no lar.
Por
que o materialismo prende e asfixia?
Por
que as inversões de valores?
Eu
vi e desejei sumir dali. Eu não quis ver os irmãos brigando por causa da casa
que era tudo o que ele tinha. Eu não quis ver como jogaram as roupas fora. Eu
não quis participar e saí para nunca mais voltar. Quando sai de casa vi que o
mundo não tinha nada de bom. Eu vi o mar e desejei ficar ali sozinha para
sempre porque as pessoas não sentiam mais e não sabiam mais amar.
Será
que eu também estava inerte?
Por quanto
tempo fiquei omissa?
Foram
anos me questionando o que deveria fazer e depois que os cães morreram tudo
acabou porque eles me olhavam com carinho e sabiam me ouvir. Eu não sei se vou
conseguir retornar. Eu tenho medo desta gente doutor. Como podem cuidar de um
bebê? Eu tenho medo de ficar impotente. Tenho medo do que posso me tornar.
CLÉIA
08/07/18
------------------------------------------Paula
Alves----------------------------------------
“NÓS
ATRAÍMOS OS FLAGELOS PORQUE SOMOS SOMBRIOS”
Eu
senti tanto, eu chorei tanto e era uma dor que não tinha fim porque eu não
podia fazer nada. Eu queria corrigir o mundo e queria que as pessoas me
ouvissem, mas nunca ninguém me ouviu. E por mais que eu corresse, eu não
conseguia salvar ninguém. Por que eles não queriam ser salvos. Eu vi como eles
se aniquilaram e eu não queria a guerra, mas eu não era ninguém. Ei ouvi falar
da bomba e da explosão e eles estavam felizes porque muitos iriam morrer, mas
por que riam?
Diziam
que não era nossa nação e eu pensava que todos eles eram filhos de alguém e
poderiam ser meus. Eu orei e pedi, eu clamei, mas por que tinha que acontecer?
Por quê? Depois foi com a gente. Eu estava trabalhando na casa do coronel e
estava angustiada para chegar em casa. Eu sentia que estava prestes a acontecer
alguma coisa e eu estava querendo ir embora. Não deu tempo. Quando as tropas
inimigas chegaram devastaram tudo. Arruinaram com nosso bairro e eu senti que
minha família seria prejudicada. Corri e quando cheguei era tarde. Eu vi Giudete
caída no chão. Ela era tão pequena. Estavam jantando e caíram imóveis. Meu
marido e minhas filhas. Eu fiquei muito tempo sentada e vi um soldado se aproximando.
Desejei tanto que ele atirasse para acabar com minha dor, mas ele não conseguiu
porque se apiedou de mim. Eu não tenho como esquecer. Por que tanto ódio?
Eu
fiquei tentando entender por que as pessoas perdem seu tempo destruindo. Por
que elas perdem tempo competindo e desejam ter tudo para si. De onde veio isso?
Será que em alguma parte existem pessoas conscientes? Será que estas pessoas
podem produzir o bem de forma desinteressada? Eu quero acreditar que sim. Hoje
estamos bem. Aqui todos são bons.
Depois
de muitas centenas de anos onde cada um de nós foi para um lado pudemos nos
reencontrar e eu estou feliz, mas me preocupo. Nós atraímos os flagelos porque
somos sombrios. Temos tanta limitação moral que passamos por catástrofes cada
vez piores. Somos como todos os outros, senão não estaríamos envolvidos. Eu
estou me esforçando para compreender e para perdoar. Agradecida pela atenção.
FIORELA
08/07/18
-----------------------Paula
Alves--------------------------
“AQUELES QUE NOS AMAM SE QUESTIONAM SE
OS SEUS ATOS IRÃO NOS FERIR”
Eu
sempre soube de tudo o que ele fazia. Me casei com ele porque eu o amei desde o
primeiro instante. Teria me casado de qualquer jeito. Nossos pais formalizaram
nosso casamento quando ainda éramos crianças e sei que as mulheres que ele tinha
era para mostrar uma virilidade para todos.
Eu
sentia e sofria por isso. Tinha ciúmes e não queria nem que ele saísse de casa,
mas sabia que ele me tinha amor e eu digo que ele sempre foi o melhor marido do
mundo, apesar de todas as traições. Eu me esforcei para não brigar, para não
quebrar tudo ou para não ir embora. Logo, meus filhos nasceram. Tive cinco e os
amei com todo o meu afeto.
Soube
que Júlia estava grávida de meu Rodolfo. Eu sabia que o filho era dele e eu
quase morri de raiva. Pensei em forçar o aborto, mas que culpa tinha aquela
criança da maldição da promiscuidade?
Eu
nunca consegui segurar meu marido em casa. Vi a barriga dela crescer porque eu
era obrigada a ver a mulher por toda parte. Eu engoli seco e ele nunca assumiu
a paternidade do menino, até isso me envergonhou. Eu achei que pudesse fazê-lo
melhorar. Achei que se eu o amasse, ele seria uma pessoa melhor. Em vão pensei
tudo isso e quando já estávamos maduros percebi que ninguém muda ninguém. Eu
peguei meu marido me traindo dentro de nossa casa. Meus filhos já estavam adultos,
as meninas já tinham casado e refleti se queria que elas passassem pelo mesmo
que eu. Então, entendi que eu havia me anulado porque quando mudei a
protagonista vi que isso tudo era inaceitável. Eu nunca diria para uma filha
minha se esforçar em permanecer casada se isso tudo fosse com ela.
Eu
tentei vinte anos e o amei. Negligenciei meus princípios. Afirmava para mim
mesma que ele me amava. Como poderia me amar? Eu nunca tive carinhos, nunca nos
sentamos para falar de meus anseios ou das minhas ambições de mulher. Nunca.
Acho que ele nem me conhecia. Eu me revelei na porta do quarto da empregada.
Deixei claro que tinha visto tudo e saí. Quando ele foi até mim, eu falei que
iria me divorciar e ele virou um bicho. Eu me livrei dele. No início foi horrível
porque eu tinha um sentimento de posse, “o meu marido”. Depois vi que ele não
passava de um homem sem compromisso.
Vivi
sendo insultada e ofendida pela sociedade, mas vivi me sentindo mais feliz. Eu
não precisava pedir amor e atenção. Eu aprendi tardiamente que aqueles que nos
amam também nos valorizam e nos respeitam. Aqueles que nos amam se questionam
se os seus atos irão nos ferir. Eu achei muitas pessoas que me amaram. CASEI DE NOVO PORQUE AS PESSOAS NÃO SÃO
TODAS IGUAIS E EU MERECIA SER FELIZ COM UM HOMEM. Eu merecia me sentir uma
mulher querida e desejada. Eu sou muito grata a Deus por todas as oportunidades
que tive de saber a verdade. Muitas de nós recebem a verdade, mas fingem que
não. Muitas preferem se anular, outras deixam claro que são únicas e especiais.
NÃO É COM GRITO E COM TOLICES QUE NOS
IMPOMOS, MAS COM ATOS NOBRES, ATOS DE MORAL E TRABALHO SÉRIO.
Eu
sou feliz porque tive tudo o que precisava para me tornar uma mulher que tem a
cabeça erguida.
ANA MARIA
08/07/18
--------------------------------------Paula Alves-------------------------------
--------------------------------------Paula Alves-------------------------------
Foto cedida por Magno Herrera Fotografias
“DESCOBRI
QUE DEVEMOS SER GRATOS POR TUDO O QUE DEUS NOS CONCEDE”
Sempre
foi um período bastante turbulento. Eu ficava descontrolada. No início não
compreendi aqueles rompantes e acreditei que fosse por causa do excesso de minha
jornada de trabalho. Eu precisava me dedicar mais ao que fazia, estava prestes
a ganhar uma promoção da qual eu estava me dedicando há anos, mas de repente,
percebi que eu estava irritada além da conta. Em certas ocasiões, ficava
melodramática, saia para o banheiro e chorava de forma incontrolável. Eu era
uma das poucas mulheres no meu ambiente de trabalho e aqueles olhos vermelhos
passaram a se tornar constrangedores. Estranhei o que estava acontecendo comigo
e procurei um médico.
Ele
sorriu e me encaminhou para o ginecologista. Eu fiquei bem irritada com o
sarcasmo dele quando disse: “coisa de mulher!” Que desaforo! Por acaso só mulheres
choram, se irritam ou perdem a paciência? Eu vi muitos homens partindo para
brigas por causa de questões banais, ridículo, achar que os hormônios nas
mulheres são causa de tudo o que as perturbam. Mas, de fato, para mim era o
problema. Fui ao ginecologista e ele me informou que eu estava sofrendo de TPM,
mas não aquela de tirar sarro. Era uma doença.
Minha
TPM estava gerando problemas físicos, emocionais e mentais porque eu me sentia
perseguida, abandonada e vi a ruína da minha vida. Sofri muito com isso e não
compreendi como, de uma hora para outra, estava vivendo aquele mundo de mulher.
Eu nunca fui assim, sempre muito prática, dedicada ao meu trabalho, eu nunca me
programei para ser dona de casa, esposa e mãe e aquele mundo feminino até me
irritava porque eu via futilidade e uma meiguice que irritavam.
Eu
vivi com esta TPM me incomodando a vida toda depois disso. Meu médico insistiu
com uma série de medicamentos, mas parece que eles pioravam meu sofrimento. Foi
complicado para a convivência social, para arrumar um companheiro ou para
ganhar a tal promoção. Foi uma batalha porque eu expulsava as pessoas da minha
vida, eu não confiava em ninguém.
Aos
poucos, preferi ficar sozinha e evitava sair porque eu nunca sabia quando me
comportaria mal, arrumando alguma confusão. É muito triste e tem gente que
ainda faz brincadeiras desagradáveis. Foi uma vida triste e solitária por causa
de uma doença que as pessoas tratam como frescura. Quando eu cheguei aqui com a
cabeça atormentada, fui informada que deveria fazer tratamento psicológico.
Eu
ri, pois nunca imaginei que aqui ainda teria a tal TPM. Eu agradeço doutor por
toda paciência que está tendo comigo. Eu entendi, há pouco tempo, que tudo isso
veio da negação hormonal. Quando eu me neguei como mulher, ativei a TPM. É como
se eu nunca desejasse ser mulher. Eu me irritasse com as regras menstruais.
Como se eu achasse que isso me fragilizasse e acredito que tem a ver comigo
sim. Eu trabalhava num ambiente masculino e não queria ser inferior a eles,
acho que eu mesma menosprezei meus atributos femininos, minhas potencialidades.
Eu
nunca imaginei que pudéssemos fazer isso. Descobri que devemos ser gratos por
tudo o que Deus nos concede. Por nosso corpo e por tudo o que ele nos permite
executar. Gratidão.
MARCILENE
15/07/18
------------------Paula
Alves-----------------
“EDUCAÇÃO
É TUDO”
Muito
difícil a vida de um escritor. Parece que ninguém quer saber de arte. Ninguém
quer saber de filosofia. Eu escrevia e levava muito tempo para concluir uma
obra. Quando acabava, era um júbilo, contentamento e queria dividir com as
pessoas. Eu achava que o que eu escrevia, com toda a inspiração poderia ser
gratificante para alguém além de mim, mas eu nunca achei um leitor que
realmente quisesse ler minhas obras. Como é frustrante amigo. Tem gente que
olha com dó. Dó?
Mas,
por quê?
Se
eu consegui transpor para o papel uma série de detalhes de tantos pensamentos?
Se
eu pude conjecturar e conduzir uma reflexão, sou digno de piedade?
Eu
não consigo compreender este raciocínio. Acho que, as pessoas valorizam a coisa
errada. A intelectualidade perdeu seu valor, perdeu para o mostrar seu preço.
Quem mostra o carro, mostra a casa, mostra o relógio mais caro, ganha. Que
triste!
Eu
fiz tanto e nunca ninguém desejou ler nada. Foi meu fim. Cada livro que
consegui publicar foi minha ruína. Tudo custou. Não é como hoje em dia que
vocês conseguem publicar sem nenhum tostão. Naquela época, eu trabalhava para
isso e nunca quis ficar rico, quis que lessem. Nem parente quis ler. Eu
respeito os famosos porque precisaram ter o apoio de alguém que leu o seu trabalho.
Eu lhe respeito amigo. Não é fácil. Só quem passa por isso para saber. Queria
mesmo que as pessoas conseguissem enxergar quantas coisas belas tem num livro.
Que elas conseguissem aproveitar melhor o tempo delas. Parar com bobagens que
levam a destruição de valores. Esta estupidez que arrasta para marginalidade.
Sei que no meu caso foi prova por ter desonrado meu talento em outra
encarnação.
Mente
brilhante que foi judiada com álcool. O importante é que na próxima, certamente
conseguirei com o apoio que será colocado bem perto de mim. Voltarei como
escritor e espero ser bem sucedido porque, apenas as boas obras podem conduzir
um povo. Educação é tudo.
MIGUEL ARRAES
15/07/18
-----------------------------------Paula
Alves---------------------------------
“POR QUE SERÁ QUE A GENTE TINHA QUE ENCONTRAR
AQUELA MALANDRA PARA TAPEAR A GENTE?”
As
mãos já estavam com calos, mas era a coisa mais linda aquelas cortinas depois
de prontas. Renda, tudo à mão. São muitas mulheres que ganham a vida e formam
família com serviço digno. Trabalhando em casa e cuidando das crianças. As
meninas aprendiam desde cedo, logo já estavam com as madeirinhas trançando.
Minhas mocinhas já cedo faziam toalhinhas para vender na feira. Tudo tão lindo
e era tão trabalhoso seu moço. Deu de um dia aparecer mulher da cidade. Disse
que ia fazer enxoval. Ficou encantada pela renda. Queria de um tudo. Cortina,
roupa de cama, forro, toalha e cismou que queria um vestido. Eu disse que
fazia, mas falei que levava um tempo. Cobrei e ela falou que pagava. Acertamos
tudo e a mulher ficou esperando. Eu e as meninas fizemos tudo apressadas para
cativar a cliente e esta mulher veio buscar tudo com cheque. E eu lá entendia
de tal de cheque? Fiquei com medo, mas tive que confiar porque a moça era
distinta e me falou que iria se ofender porque eu estava desconfiando da honestidade
dela.
Não
deu outra... A mulher me passou a perna, acredita? Foi tanto material. Eu
fiquei devendo no armazém do seu Dodô. E não tinha dinheiro para receber porque
o cheque era frio. Eu lá entendia de cheque frio? Que raiva! Eu trabalhei tanto
com as meninas e nada de dinheiro.
Eu
fico pensando... Por que será que a gente trabalhou tanto e nunca tinha
dinheiro?
Por
que será que a gente tinha que encontrar aquela malandra para tapear a gente?
Eu
sempre fui honesta e tinha que ser enganada?
Fui
dormir chorando sem entender. A vida passou e quando eu cheguei aqui ainda
tinha isso guardado na memória né doutor?
O
senhor estranhou porque já fazia tanto tempo né? Eu gostei de saber da
resposta. Estava achando que era porque eu tinha feito mal na outra vida. Achei
que era prova para abrandar meu sentimento. Eu estava achando que eu tinha sido
rica ruim em outra, mas não. Fiquei muito feliz quando o senhor explicou que a
gente atrai gente de todo tipo.
Muitas
vezes, a pessoa que a gente atrai tem alguma coisa em comum porque semelhante
atrai semelhante, mas principalmente porque a gente troca aprendizados e marca
as pessoas com nossas ações. A mulher ficou bem encantada com nosso trabalho.
Ela percebeu que trabalhamos muito. Eu e minhas filhas também, ainda pequenas.
Quando ela levou a roupa, ela casou, arrumou a casa e ainda usou o vestido. Por
muitos anos, ela olhou as peças e lembrou sempre de nós. No início foi difícil,
mas aos poucos, ficou na mente dela e ela foi usando como referência para as
ações dela. Ela nunca mais roubou. Foi ficando zelosa com as coisas, trabalhadeira
e cuidou bem dos filhos que teve, lembrava de mim. Eu até chorei doutor. Fiquei
tão feliz de saber que meu gesto fez ela se tornar uma pessoa melhor. Sou muito
agradecida por este tratamento que tive.
MARIA NICETE
16/07/18
---------------------------Paula
Alves------------------
Eu
me lembro de todas as torturas, dos vivos e dos mortos. Não importa o mundo. A
gente é o que é. Eu era carcereiro quando estava na carne. Fazia o que tinha de
ser feito. Devia obediência para os coronéis e quando eles precisavam de uma
informação, a gente resgatava a informação na marra. Fui bem pago. Minha
família viveu bem até que me pegaram. Sofri bastante, mas nunca fui florzinha,
não esmoreci. Foi de cabeça erguida que me arrancaram todas as unhas. Não tinha
o que falar. Naquela noite eu já sabia que tinha acabado para mim, mas não. Quando
o corpo caiu todo arrebentado, eu saí inteiro. Parece que era um novo homem,
cheio de força e coragem. Eu vou te dizer que senti como se estivesse crescendo
um metro.
Aquele
corpo me detinha. E eu desencarnei e renasci. Cresci e imediatamente se
aproximaram de mim criaturas estranhas que me tinham devoção. Levou tempo para
eu readquirir lembranças e perceber que eles já me aguardavam. Todos eram
conhecidos distantes que me esperavam. Eu dei uma bela demonstração de coragem
e perseverança. Os momentos finais desta vida me permitiram ser adorado por
eles. Eu estava vivo, tinha força, vitalidade e bravura. Saímos de lá e eu
tinha um espaço me aguardando na zona inferior.
Nunca
imaginei que um dia estaria aqui contando esta história. A verdade é que depois
de centenas de anos, eu fiquei saudoso. Eu me cansei de não sentir nada por
ninguém e comecei a me questionar se eu também não tive alguém como todos
aqueles que nós torturamos. Todos defenderam alguém. Todos choraram por alguém.
E eu fiquei fazendo questionamentos que foram desfazendo minha característica
mitológica. Meus subalternos estavam estranhando e eu tentei partir, mas fui
preso. O mal é como um verme, um veneno, um câncer.
Não
existe a posição que está longe de ser ferida. Ela sempre esteve por perto não
é? Sempre. O que me choca é pensar que ela fez tanto para me salvar. Ela fez de
tudo para me trazer para cá e mudar minha posição. Quando finalmente consegui
enxergá-la e pude ser trazido, ela partiu. Por que tudo isso? Por que Deus
coloca as pessoas tão perto e as tira de nós?
Ela teve
que retornar para nova tentativa e eu fiquei só. Tudo o que fiz na revolta me
afirma que este Pai que vocês insistem em devotar, ri de nós. Eu não quero ser
marionete. Eu quero ter escolha real. Escolha de verdade.
Da
outra vez, você falou que era blasfêmia, mas por quê?
Da
outra vez você falou que eu também partirei para nova tentativa e que irei reencontrá-la,
mas pra quê?
Eu
vou me esquecer de tudo. Eu sinto como se fosse um jogo. É como se ele ficasse observando
as pessoas atordoadas, cegas e iludidas. A gente esbarra em quem ama, a gente
vê quem conhece e não reconhece ninguém. O que adianta ficar perto dela deste
jeito?
Eu
que sempre fui do mal, só mudei por causa dela e posso cometer o mal de novo.
Quem vai me impedir?
JEFERSON
15/07/18
------------------------Paula Alves----------------------
------------------------Paula Alves----------------------
Foto cedida por Magno Herrera Fotografias
“É
DIFÍCIL PEDIR”
O
que é comprometimento pra você?
Trato?
Acordo?
Combinação?
Eu
precisava dele. É difícil pedir. Não tem a ver só com orgulho não. Tem a ver
com “não querer incomodar”. Às vezes, é uma questão de constrangimento. Quando
você fica cismado em pedir porque não quer ouvir o não. É meu filho, mas nunca
estava para mim. Era tão difícil encontrar com ele depois de adulto. Teve uma
vez que a minha TV queimou, era meu único divertimento a danada da TV e eu
queria uma nova. Pedi para ele me levar na loja, eu não conseguia andar muito e
pedi para ele.
Ele
me deixou esperando dois meses e quando chegou à minha casa com pressa, falando
que só foi para comprar a TV, ficou muito irritado quando viu que eu já tinha comprado,
virou as costas e foi embora e não perguntou como eu estava. Eu fui com o
vizinho.
Ele
combinou comigo que ficaríamos juntos. Ele combinou que mesmo sem a mãe dele
nós seríamos uma família e não foi isso o que aconteceu. Eu queria que ele
fosse à minha casa com a família dele. Eu queria ver meus netos e queria
brincar com eles, mas não tive nada disso. Eu pedi sim, pedi muitas vezes que
fossem me ver. Eu quis estar com eles no Natal e nos aniversários, eu quis.
Passei sozinho, todos os dias especiais e os outros também. Ele não foi me ver.
Por que será que nunca pensou em mim?
Eu
não o maltratei, nunca. Eu o amo.
Mas,
num belo dia, ele teve que receber o telefonema do vizinho dizendo que eu havia
morrido. Ele ficou com raiva do moço porque atrapalhou uma reunião. Pensou no
dinheiro, mas eu já tinha providenciado tudo, o lugar para me enterrarem. Nunca
imaginei que presenciaria tudo. Toda a falta de respeito que ele teve comigo. Eu
estava lá quando ele falou para a esposa que eu só o infernizava. Eu ouvi
quando ela perguntou por que eu ficava tão sozinho e ele disse que tinha
vergonha de mim, dos meus modos, da nossa casa. Ele não queria que os filhos
ficassem comigo. Ele não honrou o que fizemos por ele e naquele momento eu o
odiei porque eu podia ter tido família. Eu dei uma família para ele, eu fui a
família dele e quando fiquei velho, ele me largou como um sapato sujo e sem uso.
Eu o odiei e sou muito magoado por isso. Por todo o tempo que perdi com ele.
Por tudo o que me privei de viver por causa dele. Por minha esposa, por todas
as dores e privações, por todo o desespero que passamos para que ele se
formasse, por todas as noites que passamos atrás de médico para tratar as
doenças de infância. Eu sei que é revolta e eu me sinto humilhado pelo jeito
que aquela criatura falou de mim. Eu não sou isso que ele falou. Já faz cinco
anos doutor. Eu fui direto para casa dele e virei um obsessor do meu próprio
filho porque eu não conseguia me separar dele por mais que me esforçasse. Tudo
me irritava: o seu orgulho, o seu temperamento vingativo, a sua falta de
delicadeza com a esposa e as traições, a mesquinhez no trabalho, tudo. Eu
compreendi que não o conhecia. Não sei como poderei reverter estes sentimentos
e peço ajuda.
EVERALDO
22/07/18
-----------------Paula
Alves---------------
“PRECISAR
DA AJUDA DE ALGUÉM E PERCEBER QUE É TUDO DE MÁ VONTADE, É TERRÍVEL”
Eu
aguardei o dia todo porque só ele podia me dar banho. Depois de um AVC fiquei
com muitas limitações e minha senhora não conseguia me dar banho. A fala também
foi perdida por causa do derrame e só o Marcelo aguentava comigo. Eu percebia a
cara dele. Eu não falava, não me movia com facilidade, mas a mente permanecia
lúcida. Eu via os gestos e a respiração ofegante de raiva e despeito. Ele me
pegava com indignação. Me colocava na cadeira com força e, muitas vezes, a dor
nas cadeiras era terrível depois disso, era como se ele jogasse um saco de
batatas. Me lavava de qualquer jeito, com nojo e, por diversas vezes, senti a
água quente demais ou gelada, eu nem gostava mais de tomar banho. Teve um dia
que eu caí da cadeira. Foi terrível, bati a cabeça e o sangue jorrou, ele ficou
nervoso, gritou, me chamou de inválido, velho imundo. Eu quis esmurrá-lo, sorte
dele aquele corpo estar inválido e enfraquecido.
A
pior coisa que uma pessoa deve enfrentar na carne é a invalidez. Precisar da
ajuda de alguém e perceber que é tudo de má vontade, é terrível. Minha esposa
tinha a maior paciência, ela pedia para ele se acalmar e me limpava do jeito
que podia. Meu filho nunca percebeu que tudo aquilo era motivo de glória para a
gente. A minha expiação podia ter elevado toda a família. Ele vivia reclamando
e me maltratava sempre que podia. Fazia tudo com tanta raiva que estava sempre
me machucando, mas o corpo sara, a alma é que fica ardendo, latejando de
indignação, de tanta tristeza. Será que ele nunca percebeu que eu sentia falta
dele e eu me incomodava muito com os maus tratos?
Eu
preferia ter morrido do derrame a ter de presenciar tantos olhares de revolta
do meu filho. Eu sei que foi necessário e eu já estou muito melhor. Agradeço pelo
tempo de sequela que me fez perceber tantas coisas. Eu hoje posso valorizar
belezas que antes eu não enxergava. Para mim foi um bendito remédio. Não o
culpo, mas eu senti a dor do abandono para nunca fazer isso com ninguém. Quem
tem seus pais vivos que possam amá-los com dedicação, carinho e honestidade.
BALTAZAR
22/07/18
---------------------Paula
Alves------------------
“AS
PESSOAS SÃO TÃO EGOCÊNTRICAS QUE CONSEGUEM PASSAR NA FRENTE DO PRÓPRIO DOENTE”
Quem
poderia imaginar que, de uma hora para outra, eu ficaria acamada? Precisando de
tudo e de todos. É tão triste porque as pessoas que antes estavam sempre a sua
volta, de repente, desaparecem e aí nós temos a certeza de quem são nossos
verdadeiros amigos ou não. Meus amigos que eram tantos foram reduzidos a
unidade. Eu já não era bela, arrumada e nem tinha predicados depois das escaras
e das fraldas. Eu precisava de pouco, uma conversa e esperança, mas meus amigos
de antes diziam que preferiam não me ver porque eu os entristecia naquela
condição de tanto que eles gostavam de mim. Será?
Por
que se a minha condição os entristecia tanto por que eles não me viam para me
alegrar um pouco? As pessoas são tão egocêntricas que conseguem passar na
frente do próprio doente. Triste! Eu precisava de pessoas que me amassem por
uma coisa qualquer que me tornava um ser único e indispensável em suas vidas.
Minhas
filhas estiveram sempre do meu lado e percebi que a idade não é fator preponderante
porque a Sofia era novinha e percebia tudo. A menina foi tão amável, tão
delicada. Ela contava histórias para mim e eu ficava encantada com ela,
descobri que minhas filhas são seres incríveis. A minha mais velha, Estela,
cuidava de tudo, dava apoia para a irmã e me tratava como mãe, como se ela
fosse minha mãe. Penteava meus cabelos e pintava minhas unhas. Elas se tornaram
minhas melhores amigas e quando as dores ficavam muito intensas me faziam rir
tanto que eu até esquecia da doença. Eu sou tão grata. Deus sabe de tudo. Faz
tudo tão perfeito que as máscaras caem. Só quem ama é capaz de amar numa
situação destas. Eu não vou usar meu espaço para reclamar dos amigos que me
abandonaram, eu vou usar esta oportunidade para manifestar minha adoração por
duas meninas que ficaram supergarotas. Tão especiais e meigas a mamãe ama
vocês. Aqui é tudo muito lindo. Eu já estou bem e feliz porque sei que vocês
terão tudo.
Vocês
serão mulheres maravilhosas, princesas. Eu estou sempre por dentro de tudo,
eles me contam, eu tenho notícias e sim, estarei presente. Eu estarei com vocês
em todos os momentos importantes. Eu estarei com vocês na formatura e nos
casamentos. Lembrem-se de tudo o que ensinei. Sejam cordiais, sinceras e tenham
pudor. Nunca permitam que ninguém destrate vocês. Saibam se valorizar porque
vocês são joias.
NÍVEA
22/07/18
-------------------------------Paula
Alves---------------------------
“NÓS
NÃO NOS SEPARAMOS DE QUEM AMAMOS”
Parecia
que a minha cabeça ia explodir. Eu queria ficar acordada, mas a dor não
deixava, então, o médico aconselhou a tomar remédios que iam facilitar o
tratamento, mas eu dormia tanto. Achei estranho que no meu sonho eu encontrava
um rapaz lindo e me sentia tão bem. Eu até falei para mamãe que parecia que ele
era de verdade. Estranho porque o rapaz aparecia nos meus sonhos cada vez mais
e isso me dava conforto. Eu não tinha namorado e sempre quis viver um grande
amor. Eu ficava ansiosa para dormir na esperança de encontrar com ele. Quando
eu acordava, ficava triste porque normalmente estávamos conversando de forma
animada e eu queria mais, eu queria estar com ele. Fiquei tão intrigada, não compreendia
como era capaz, mas mamãe que sempre tinha explicação para tudo porque é
psicóloga, falava que era uma criação mental.
Eu o
criei porque era tudo o que eu queria. Ele era o homem dos meus sonhos
literalmente. Eu fantasiava tanto com ele que quando dormia eu entrava em
contato com ele. Ela me falou que era até melhor porque assim ela sabia que eu
não estava sofrendo. A doença foi se agravando e a quimioterapia não estava fazendo
efeito. Todos sabiam que meu fim estava próximo e percebi minha mãe tão
distante, entristecida. Era como se tivessem dito para ela que a batalha foi
perdida. E eu só queria dormir para encontrar Antônio.
Foi aí
que ele apareceu no sonho e disse que na próxima noite estaríamos juntos de
vez. Era para eu ficar com a mamãe o maior tempo possível, aproveitar tudo porque
o sofrimento iria acabar. Eu entendi que ia morrer e não fiquei com medo porque
ele estaria comigo. Não contei para mamãe porque fiquei com medo da reação
dela. Ela não acreditaria em mim. Talvez acredite agora porque só ela sabia do
Antonio. A verdade mãe é que depois que deixei aquele corpo doente foi que
minha vida começou de verdade. Ele é mesmo o homem da minha vida, não só desta
como de muitas outras. Deus é tão bom.
Nós
não nos separamos de quem amamos. Eu estive encarnada e doente porque precisava
aprender um monte de coisas, mas ele esteve pertinho de mim, sempre. Quando
dormia me encontrava com ele e recebia dicas e orientação. Foi o que me
estimulou com alegria e esperança. Não sofra mãe porque a vida é eterna e eu
ainda vou te encontrar. Te amo.
VITÓRIA
22/07/18
------------------------Paula Alves------------------------------------
Foto cedida por Magno Herrera Fotografias
“NÃO
TEM ACORDO QUE MUDE O RUMO QUE DEUS QUER PARA NOSSA VIDA”
Desde
menina eu sempre ouvi dizer que era só acender uma vela para o santo e eu era
tão devota que fiquei preocupada quando não arrumei um namorado. Já estava com
quinze anos e nada de moço querer namorar comigo. Eu me apegava no santo e
orava, fiz novena e nada. Minha irmã mais nova arrumou pretendente e eu nada. A
Maria Antônia casou e eu nem tinha par no casamento.
Achei
melhor viajar, principalmente depois que a Leonilda chegou em casa com
pretendente. A Léo era três anos mais nova que eu, quase morri de vergonha. Era
cidade pequena e o povo falava. As moças todas ficavam apontando e eu não
gostava, aí viajei pra casa da tia Domingas. Eu achei que fosse só passar um
tempo, mas gostei da cidade grande e logo arrumei um emprego. Tinha tanto moço
bonito, mas nada de arrumar pretendente.
Fiquei
amiga de uma moça que achou bem estranha minha situação porque eu nem era feia,
mas não atraia ninguém. Ela me convenceu a procurar ajuda em outro lugar porque
o Santo Antônio parecia estar de brincadeira com a minha pessoa. Eu nunca tinha
ido num terreiro e estranhei, fiquei com medo, assustada, se a mãe soubesse ia
ralhar muito comigo. Quase corri dali quando um sujeito falou de forma estranha
coisas da minha vida e disse que fizeram trabalho para mim. Eu não ia arrumar
marido de jeito nenhum. Eu tinha que desfazer o negócio. Fiquei desesperada e
fiz tudinho o que aquele cara me explicou, minha amiga me ajudou, ela já
entendia bem daquilo tudo. Fiz o tal trabalho e fiquei no aguardo porque ele me
garantiu que eu ia voltar casada para minha cidade. Só que o tempo passou, eu
não arrumava ninguém, ao invés disso, comecei a me sentir mal. Parecia até que
eu tinha ficado doente, mas ninguém sabia o que eu tinha. Voltei para casa da
minha mãe e me sentia mal, deprimida, com sensações tão estranhas. A vida foi
ficando vazia para mim. Eu me sentia cansada daquilo tudo, parecia que não
tinha razão de viver.
O
fato é que as pessoas foram se arrumando e eu nada, parecia que família não era
para mim. Sei lá doutor, só quem pode resolver a nossa vida é Deus. Não estava escrito que eu deveria me casar.
Eu ajudei minhas irmãs, fui ficando mais velha, meus pais se foram e eu ia direto
para casa de minhas irmãs para ajudar com os filhos e foi assim. Aquela
sensação de vazio só melhorou pouco a pouco depois que eu voltei para a igreja.
Eu gostava do santo e pedi perdão. Ele não devia ter culpa da minha solteirice
e eu fiquei achando que aquele guia não tinha tanto poder assim, senão tinha me
dado um marido como me prometeu. Foram tantas dúvidas, mas eu só entendi quando
cheguei aqui. Claro que eu quis saber por que tive que ficar sozinha e me
explicaram. Se eu tivesse tido a minha família, não teria ajudado minhas irmãs
e meu plano estava ligado ao plano delas. Eu tinha feito muito mal para as
duas, desfiz famílias, arruinei negócios, elas passaram muita privação e eu
prometi que iria mostrar para elas o quanto poderia ser boa para ambas. Eu
jurei que poderia me privar de tudo para beneficiá-las. A gente escolhe né
doutor, depois esquece e ainda reclama. Vai atrás de promessas, mas ninguém
pode mudar o plano de Deus quando está traçado. O tal do guia me prometeu tanta
coisa, mas ele sabe tanto quanto nós. Eu me sentia mal por influência dele. Fui
atrás de ajuda e fiquei pior. Eu não o culpo porque cada um só faz o que pode e
compreende. Ele também tem o caminho dele e um dia vai entender que ninguém compra
felicidade. Não tem acordo que mude o rumo que Deus quer para nossa vida.
Aquele que tenta barganhar se arrepende. EU
ACHO QUE A GENTE AINDA NÃO ENTENDEU QUE TEM QUE SER GRATO POR TUDO O QUE RECEBE
E NÃO FICAR RECLAMANDO DO QUE NÃO TEM. Eu agradeço agora que soube que
tinha que ter sido assim.
MARIA ISAURA
29/07/18
-------------------Paula Alves------------------
“ENTENDO
QUE DE QUALQUER FORMA A VIDA PODERIA TER ME BENEFICIADO, MAS EU SÓ RECLAMEI”
Eu
só trabalhava para comprar remédio. Quando me envolvi com ela pensei que a
mulher fosse saudável. Ela era bonita demais, porém era delicadinha. Eu via que
a família a tratava com muitas frescuras. Eu era estudante de engenharia e me
encantei com ela. Meu coração pulsava forte quando ela se aproximava de mim e
decidi me casar. Imaginei que pudéssemos ter uma vida normal, um casamento com
filhos e uma casa tranquila. Achei que eu fosse manter a casa e ela iria cuidar
da família, mas ela passou por momentos preocupantes na primeira gravidez.
Precisou de repouso e de mim. Eu já estava tão cansado porque não conseguia
dormir. Ela me chamava a noite inteira e de manhã eu tinha que sair cedo para o
trabalho. O fato é que ela não conseguiu segurar o bebê e nós o perdemos. Eu
senti muito. Nunca imaginei que sofresse tanto a perda de uma criança que nem
mesmo conheci. Depois, nem tive muito tempo de sofrer porque ela chorava demais
e estava sempre me chamando.
Eu
fui perdendo a paciência, ficando irritado de tanto cansaço. Achei estranho que
ninguém perguntava como eu me sentia. Aquela criatura sofria sozinha, era tudo
com ela. Eu comecei a olhar para ela diferente e fui perdendo o interesse. Ela
se recuperou da perda do nosso bebê, mas continuava com as manhas. Ficamos
sabendo que ela tinha diabetes e precisei aplicar insulina porque ela nem
conseguia pegar na seringa. Olha, foi difícil para mim. Não tinha como durar.
Eu tinha vontade de sair correndo porque me senti anulado. Eu queria me
separar, mas não sabia como dizer isso para ela. Conversei com um amigo que me
aconselhou a separar, mas eu não tinha coragem de abandoná-la.
Eu sei
que a vida foi assim, fui vivendo por viver e me condicionando a aceitar
qualquer coisa para não afligi-la. Compreendi tarde demais que nós nos unimos
por interesses que não estavam ligados ao amor. Eu me envolvi com a beleza dela
e ela se acostumou a ter os meus cuidados. Depois de vinte anos assim, sem
filhos, frustrado e arrependido, descobri que eu estava com câncer de próstata.
Foi tão rápido, acabou comigo. UM CASO
TÍPICO DE PROBLEMA PSICOSSOMÁTICO QUE DESTRÓI TUDO. Eu não a culpo. Eu
culpo minhas escolhas. Minha falta de maturidade para decidir, minha falta de
coragem para mudar. A gente se acostuma e se acomoda. Eu podia ter usado bem
esta chance. Desviei tudo do meu caminho. Não era para ser com ela, não era
para ter sido assim, eu mudei tudo. Eu escolhi tudo diferente. Entendo que de
qualquer forma a vida poderia ter me beneficiado, mas eu só reclamei. Se eu
tivesse cuidado dela com amor, se eu tivesse me dedicado poderia ter me elevado
a partir desta experiência, mas eu não melhorei em nada. Estou me sentindo
fracassado. Ela ainda está encarnada. Eu nem imaginei que sofreria tanto por
mim. Eu nem imaginei que ficaria ao meu lado até o fim. Acho que ela aproveitou
meu momento difícil para evoluir.
Com
certeza saiu diferente desta situação. Minha esposa deixou as manhas de lado
para cuidar de mim. Ela se ergueu e se tornou uma pessoa forte mesmo. Eu até
desconheci. Para ver como tudo depende de um pouco de boa vontade da nossa
parte. Agradecido pelo espaço.
BRUNO
29/07/18
--------------------Paula
Alves---------------------
“EU
CREIO QUE PODE DAR CERTO COM CONHECIMENTO E ESFORÇO, TRABALHO SÉRIO E UNIÃO”
Eu
tinha tanta vontade de mudar a situação. Eu queria favorecê-los. Queria que
eles percebessem o quanto têm potencial. Eu lecionei por amor. Sempre me esforcei
para aprender porque sentia que um dia iria ensinar. Desde pequeno fui aluno
exemplar, tirava boas notas, era autodidata. Não foi fácil me formar, não fui
rico, mas fui esforçado, dedicado, eu sentia que tinha de ser assim. Fui
lecionar com orgulho de ser professor e, numa escola do subúrbio, me dediquei
com todo o empenho para mostrar aos jovens que eles podem se formar e
prosseguir nos seus estudos. Eu desejava apoiar a renovação mental, a estruturação
de uma sociedade esclarecida. Eu creio que pode dar certo com conhecimento e
esforço, trabalho sério e união.
Mas,
era tudo mais grave do que eu imaginava. Assuntos relacionados a pobreza e
marginalidade tão complicados que me deixaram num marasmo mental. Não eram só
as questões de física, química, mas a problemática financeira e de vícios, de
falta de organização doméstica, violência e abuso. Eu senti que não estava
preparado para me deixar envolver com estas questões e pensei em me afastar daquele
local. Achei estranho porque dentro de mim eu ouvia uma voz que me pedia para
continuar. Meus colegas diziam que eu estava me envolvendo demais com questões
pessoais dos alunos, mas minha consciência afirmava que eu devia prosseguir. MUITOS NÃO DESEJAM O POVO ESCLARECIDO.
MUITOS.
A
gente ofende quando deseja fazer ver, fazer mudar a atitude, a gente afronta
quando discorda da maioria. Eu passei a ser uma pedra nos sapatos de algumas
pessoas e um dia vieram me procurar. Um vereador e um traficante. Achei
estranho quando notei que eles tinham ligação. Me falaram que eu devia ir
trabalhar em outro local porque sem querer eu estava atrapalhando a ordem da
cidade. Eu fiquei assustado e senti que minha vida iria mudar, mas eu continuei
com meus princípios. Meus alunos estavam se modificando e abandonavam alguns estilos
de vida por minhas orientações, eles estavam gostando dos estudos. Eles estavam
se tornando conscientes. Achei que eu não poderia mudar nada, mas me senti
feliz por perceber que quando estamos empenhados em propósitos nobres tudo
conspira a favor e as pessoas sentem nossa intenção. Eu levei um tiro que
surgiu do nada e nem quis saber quem foi que me mandou para cá. Não importa.
Fui bem tratado e quase não sofri. Ainda tenho pesadelos com o golpe que levei,
mas em breve terei alta.
Estou
muito satisfeito de saber que superei as expectativas dos meus instrutores. Eu
só tirei o bem disso tudo e informo que acima de tudo Deus, sempre Jesus e a
certeza de que devemos fazer o bem para todos.
PROFESSOR DIEGO
-------------------------Paula
Alves--------------------------
“EU QUERIA AJUDAR”
No
inicio, eu tinha vontade de mudar a vida do povo. Eu quis ajudar porque também
fui pobre. Eu vim de vida de trabalho severo e sempre achei que as pessoas
podiam ter a vida facilitada. Quando se é pobre se entende o que é
primordial. Pobre sabe o que é ficar sem
água ou esgoto, o que é passar frio e fome, ver criança doente sem ter
atendimento médico. Eu queria ajudar.
Quando
me candidatei nem pensei que teria voto, mas me surpreendi. Fui bem votado
porque todo mundo conhecia a gente na cidade e minha família sempre foi
direita, todos muito trabalhadores e honestos, então, o pessoal votou em mim
esperando mudança. Eu me iludi e desviei tudo. SER BAJULADO NÃO AJUDA EM NADA, É TUDO ENGANAÇÃO, SOMOS USADOS.
Sempre
tem um peixe maior que você e nada é de graça, a gente se vende. E o que vende
é a alma porque quando entrega a vida das outras pessoas atraia um débito
grande demais. Sei que foi impossível me livrar daquele bando de aves de rapina
sem me aliar. Minha esposa ficou desesperada quando falei o que me proporam.
A gente
ganha, mas não lidera nada, tem sempre gente por trás ditando as regras, dando
as ordens.
Ela
estava preocupada com nossa honra, com nossa palavra. Ela sabia no íntimo do
ser que daria errado e a cidade inteira estaria contra nós, mas o que eu podia
fazer? Eu já não sabia mais viver sem a mordomia toda, sem festa, bajulação,
gostei do carro e das roupas. Eu me aliei. Venci e entreguei tudo para eles, minha
esposa quis separar, mas não podia ter escândalo, eu a agredi, arruinei tudo.
Nunca imaginei que sofreria tanto.
A GENTE
É POBRE E CRITICA POLÍTICO E NEM SABE QUE POLÍTICO FICA NUMA SINUCA DE BICO.
Depois
de um tempo, de tanto sofrer, fiquei rico e cai no esquecimento. Minha esposa
se separou e nem meus filhos quiseram saber de mim. Estava desmoralizado por
tudo o que não fiz. Tantas promessas que não passam de mentira. Vivi e morri
sozinho, numa casa tão grande e ninguém para conversar. Quando cheguei deste
lado padeci horrores. Todos me cobrando, achei que ninguém me conhecia e lá
estavam eles dizendo que arruinei a vida, que roubei, ladrão, ladrão, corrupto,
era o que falavam, correram atrás de mim e me prenderam. Eu fui resgatado por
ela que nunca se esqueceu de mim. Eu poderia ter feito tanta coisa, mas
político não quero ser nunca mais, deve ter outro jeito de ajudar. Cheguei aqui
tão alucinado com meus desesperos. Eu me arrependi, não devia ter seguido este
caminho. Não sei por onde começar a reconstruir minha identidade.
SOARES
29/07/18
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