Cartas de Novembro (16)

Foto cedida por Magno Herrera Fotografias

“EU PERCEBI O QUANTO A GENTE JULGA E CONDENA TODO MUNDO”

A coitada da mulher já estava andando toda despinguelada. Só faltava se arrastar. Eu falava para ele: “Deixa ela em paz seu Jorge. Não tá vendo como esta mulher está fracassada? A coitada não aguenta nem se limpar”. Mas, ele ria e dizia que estava cobrando um valor ínfimo perto do que ela tinha feito ele passar. Eu até vi o filme da vida deles. Eu compreendi que ela tinha sido bem cruel, mas foi em outra vida. Ela nem tinha conhecimento do quanto tinha feito ele sofrer. Eu gostava do Jorge, ele foi o único que me explicou o que estava acontecendo comigo porque eu pensei que estava bem louco. Na minha casa ninguém falava comigo e os outros como nós aproveitaram para tirar um barato, riam de mim e tentavam assustar. Isso porque aqui eu vi de tudo. Gente de todo tipo. Gente que assustava, que fazia sofrer e o Jorge que virou meu amigo. Eu demorei pra entender porque estava tão perto do Jorge. Aí fui vendo o jeito que ele torturava aquela mulher e comecei a sentir pena dela.

Tem gente que fala que a pena não é um bom sentimento, mas foi a partir da pena que os meus sentimentos se modificaram.
EU PERCEBI O QUANTO A GENTE JULGA E CONDENA TODO MUNDO.
A gente faz isso até antes da morte porque basta alguém discordar de você, aí você já julga e coloca o mundo todo contra aquela pessoa sem defesa porque a pessoa nem está sabendo que você está falando mal dela. A gente erra muito e foi assim com o Jorge. Ele estava nutrindo aquela mágoa há tanto tempo. Mágoa que uniu os dois, mágoa que fez a mulher ficar quase aleijada e o Jorge num aspecto cada vez pior. De repente, a mulher recebeu uma amiga que ensinou a fazer a prece na casa e a mulher pediu com tanta vontade que a casa dela ficou toda iluminada. Eu me senti bem e torcia para ela orar, as coisas dentro de mim estavam se modificando, falei para o Jorge aproveitar também e bastou para ele se voltar contra mim, disse que eu era um vira casaca. Nesta mesma noite apareceu um anjo na casa dela e eu recebi o consolo que eu tanto esperava. Eu já estava achando que nunca mais ia melhorar minha vida, mas o anjo me falou do Jorge. Eu nem me lembrava que ele tinha sido meu avô, como pode a gente se esquecer assim das pessoas? Eu não quero que ele fique mal. A mulher melhorou tanto que ele não conseguiu mais entrar na casa dela. Ela andou melhor e continuou com a prece no lar, mas o Jorge... Ele não perdoa, estou tão preocupado com ele.
ÉRICO
25/11/18

---------------Paula Alves-------------

“TODO MUNDO ACHANDO QUE PODE TUDO, MAS ELES NÃO”

“Menina nojenta!” – eu pesava.
Eu detestava aquela família. Quando o casal está todo envolvido, o jeito é mexer com os filhos. Sempre tem um jeito de causar a revolta no lar. Eles nem percebem, tem tantos motivos e quando estão preocupados com as questões do mundo é ainda mais fácil.  O casal se uniu e estava tentando melhorar junto, aí me sobrou atormentar a filha. A mulher toda voltada ao bem, o marido apoiou a ideia... Quer coisa pior? Foi ruim para o grupo. A gente tentou de tudo. Tentamos plantar a traição, desacreditei quando eles se recusaram a olhar para outras pessoas. Difícil viu, nos dias de hoje? Coisa mais banal a traição.
Todo mundo achando que pode tudo, mas eles não. Na hora deu até raiva.
FIZEMOS DE TUDO E ELES NÃO CAÍRAM. Mudamos a atitude e influenciamos a adquirir bens porque o fracasso financeiro poderia levar a crises familiares, ruína de casal. Achei que seria certeiro porque hoje em dia casal nenhum sobrevive a falta de dinheiro. Tiro no pé: os dois se apoiaram mais. Nunca vi um negócio desses. A mulher tinha jeito para Amélia. Aceitava qualquer coisa, gostava de trabalhar, apoiava o marido na economia. Estranhei e quase desisti da tarefa, mas não podia porque fiz acordo. Aí pensei nas crianças.

Doença na família já não tinha adiantado porque em situações de dificuldade os dois se unem, nunca vi. Com as crianças podia ser diferente. Criança dormindo na cama dos pais, não há casal que aguente... Nem assim, a menina chorava e os pais abraçavam, faziam carícias, conversavam e oravam.

ERA TANTA ORAÇÃO QUE EU ME SENTI CANSADO DE TANTO TRABALHO INÚTIL.
Fiquei constrangido do meu fracasso e também curioso com a fortaleza deles. Aí precisei ficar na espreita e verificar tudo o que faziam bem de perto.

ESTRANHA FORMA DE VIVER ESTA ONDE TUDO O QUE FAZEM É TENTAR AJUDAR OS OUTROS.

Eu ainda não entendo porque eu acho que é sofrer a toa. Ninguém merece tanto sacrifício. Eu já estou bem e agradeço pelo socorro, mas ainda não consigo entender por que tanta vontade de fazer o bem. Não entra na minha cabeça por que eles se comovem tanto com o sofrimento dos outros. Pessoas inúteis que só querem se aproveitar do trabalho alheio, eles perdem noites de sono e também sua tranquilidade para promover o bem. Eu também fui beneficiado porque, numa destas benfeitorias, eu me emocionei tanto que vi vocês. Eu escutei o que meu pai dizia há décadas e pude vir para cá.

EU AINDA NÃO SOU BOM, MAS JÁ ENTENDI QUE SÓ O BEM SALVA.

Acho que ainda não consigo produzir o bem, não como eles. Eu ainda acho que posso me beneficiar e isso não seria doação porque ela tem que ser feita com desinteresse. O importante é que graças a eles estou aqui e posso começar o trabalho de reajuste mental porque, da forma como estou, não conjecturo nada.
LICA
25/11/18

------------------Paula Alves----------------

“HOJE SEI O QUANTO OS AMIGOS SÃO IMPORTANTES EM NOSSAS VIDAS”

Ele tentou sim e eu desviava. Eu não pude imaginar que seria responsável pelo fracasso de todos nós. Eu só queria cobrar uma dívida antiga e sabia de seus deslizes. Neste mundo, todos fazem isso e eu achava muito abusivo ele se mostrar generoso e condescendente quando, na verdade, sempre foi um egoísta hipócrita. Tanto que fez mal para toda minha família. Se fez passar por nosso amigo para, na hora da necessidade, me roubar tudo o que me pertencia. O que mais doeu foi me enganar com ele, eu o tinha como a um verdadeiro irmão e a traição nunca me abandonou. Depois disso, eu me amargurei e nunca mais confiei em outra pessoa.

O ruim é que isso perdurou por algumas vidas. Eu carreguei por encarnações a dentro, a sensação de que as pessoas sempre poderiam me trair e jamais confiei em outra pessoa. Foi triste porque terminei relacionamentos, briguei com meus filhos e nunca tive ligações amistosas por causa da minha desconfiança. Quando o reencontrei inclinado a trabalhar num grupo assistencial, fiquei irado porque eu sabia que ele não era de confiança e podia ferir aquelas pessoas. Eu me senti na obrigação de tirá-lo do convívio deles. De um lado, pessoas realmente boas que estavam dispostas a servir, de outro, um homem que havia me provado o quanto era ganancioso e falso. Eu nem pensei duas vezes, passei a influenciá-lo para afastá-lo dali, mas eu conheci tanta gente. Eu vi tantas demonstrações de carinho e amizade, ouvi coisas que mexeram comigo. Eu fiquei confuso.

OUVI UMA MOÇA FALANDO QUE AS PESSOAS DEVEM ESTREITAR SEUS LAÇOS DE AMIZADE PORQUE JUNTOS FICAM MAIS FORTES.

Eu ouvi pessoas afirmando que não são perfeitas, que já erraram muito e que estavam dispostas a fazer o bem indistintamente para que pudessem aliviar sua carga negativa de outras existências. Eu achava aquilo impossível. Estava certo de que tudo era da boca para fora, mas eu vi. Daqui não existem equívocos porque podemos enxergar as reais intenções e eu vi o esforço deles.

Seres fragilizados pelas posses materiais e que estavam tão fortalecidos em seus propósitos. Estranho porque unidos eram mais fortes mesmo. A luz foi salutar para mim e tantos outros que se aproximaram do grupo.
HOJE SEI O QUANTO OS AMIGOS SÃO IMPORTANTES EM NOSSAS VIDAS.
ANANIAS
25/11/18

-----------------Paula Alves------------------

“ELE NÃO VIU NADA DE ESPECIAL, ELE SENTIU”

Eu não me importei com a chuva. Eu não liguei para minha aparência naquele dia. Eu esperava que ele me pedisse em casamento. Eu me achava perfeita. Linda, educada, estudada. Tínhamos um envolvimento amoroso há mais de seis anos e, de repente, ele me pediu para esquecer tudo o que passamos juntos. Eu não posso culpá-la porque ela não o aceitou. Ele a conheceu no trabalho e se encantou com a pobre moça. Bastou uma conversa para que ele soubesse que ela era a mulher perfeita para casar. Mas, como assim? Pobre, feia e burra.

Eu não podia imaginar o que ele teria visto nela. Meu mundo ruiu. Ele não viu nada de especial, ele sentiu. No mundo de hoje é estranho pensar que as pessoas podem se envolver tanto pelo sentir. Nós somos tão visuais. Os olhos compram quase tudo, mas as sensações o tiraram de mim. Hoje eu entendo. Eu precisei tomar um duro choque de realidade. Rever cenas do passado onde os dois foram um casal que permaneceu unido por tantos anos. Um casal que sobreviveu a tudo e ficou velhinho junto.
AS ALMAS QUE SE AMAM SE REENCONTRAM MESMO, MAS EU NEM SABIA QUE ISSO ERA POSSÍVEL.
Eles se reencontraram e, não é que ele não me amava. Ele me amou sim, mas ela é o amor dele. Foram tantas vidas e de tantas formas este amor sempre ressurgiu que não tinha como competir, mas na carne ninguém pensa nisso. Ainda mais eu que sempre fui bem sucedida em tudo. Eu causei inveja e tive que pensar o que ela tinha melhor do que eu. Hoje vim para o tratamento achando que o mundo não tem solução. Eu vim para cá pensando que eu tive sorte de chegar aqui depois de tudo o que eu fiz para separá-los e ainda recebi o socorro, ainda fui bem acolhida, mas mesmo assim, não consigo ver saída para nós. Toda a humanidade só produz erro e pesar. O amor dos dois é uma coisa tão rara. Eu poderia ter sido feliz com outra pessoa porque eu tinha tudo o que um homem poderia querer, mas eu quis Augusto e me entreguei a leviandades por causa dele e no que deu?

TRABALHO COISA NENHUMA QUANDO O AMOR IMPERA NO LAR.
Eu tive que assistir os dois felizes e quando eu desencarnei ainda teve Espírito me cobrando o trabalho que contratei para separar os dois.
SUELI
25/11/18

----------------------Paula Alves--------------------------------- 

Foto Cedida por Magno Herrera Fotografias


“OS HOMENS QUE ACREDITAM ESTAR NO TOPO DA CADEIA EVOLUTIVA DEVEM CUIDAR DOS DEMAIS E NÃO SER PREDADOR DE TODOS OS OUTROS”

Eu cortava porque precisava sobreviver. Era um trabalho que rendia um bom dinheiro e eu tinha quatro crianças para alimentar. Era um trabalho árduo. Eu cortava a árvore e depois cortava a lenha para que pudesse ser vendida. Trabalhei nisso durante vinte e cinco anos. Um pouco antes de encerrar meu período de trabalhador remunerado, eu tive a impressão de estar vendo e ouvindo coisas. Já estava velho, cansado e justifiquei minhas alucinações desta forma. Era tudo muito confuso. Eu me aproximava da árvore com a serra na mão e parecia estar ouvindo um choro. Gritos de pavor quando eu me aproximava delas. Eu passei a me sentir mal, como se estivesse cometendo algum delito. Eu me apoiava na sensatez de que as árvores não choram e via na minha senilidade a justificativa das alucinações.

As coisas pioraram quando eu passei a ver estranhas criaturas que me confrontavam. Eu me assustei porque pareciam defender o seu território, mas eles apareciam rapidamente e quando eu insistia com o olhar, eles desapareciam. Eu não quis mais trabalhar cortando as árvores e pedi dispensa do meu trabalho. Algum tempo depois, desencarnei por causa da tuberculose e fiquei vagando na floresta em que trabalhei. Eu vi todos eles com nitidez. Nunca me agrediram, mas pareciam querer provar que tudo era real, eles são reais.
SERES QUE SE DEDICAM A CUIDAR DA NATUREZA VIVA. SERES QUE TUDO FAZEM PELA HARMONIA E ORGANIZAÇÃO DA MATÉRIA VIVA.

Existem inúmeros seres vivos que não conseguem se expressar como nós. Plantas e animais tão pequeninos e ingênuos. Tão exuberantes! Eu notei a delicadeza com que cuidavam de tudo e o quão belos são todos eles. Joaninhas, formigas, centopeias. Não foram apenas as árvores que sofreram com meus ataques, mas todo o ecossistema. Eu estava destruindo toda a floresta. Eu vi cenas em que eu destruía o lugar impedindo que todos os animais que se nutriam e se abrigavam nas árvores pudessem continuar suas vidas. Eu não sabia que era tão complexo e o quanto o homem pode ser destruidor. Eu sempre soube que não era certo, mas achei que tinha motivos.

Eu também fui cristão, sou cristão e acreditei que as intenções são o mais importante, mas não justifica os erros.
VOCÊ QUER TER UMA VIDA BOA E VOCÊ TEM O DIREITO DE TER UMA VIDA BOA, MAS NÃO PODE FAZER TUDO O QUE FOR POSSÍVEL PARA ISSO, NÃO QUANDO ESTÁ EM JOGO PREJUDICAR ALGUÉM, SEJA ESTE ALGUÉM, UM SER HUMANO OU NÃO. Os homens deviam apoiar a vida sempre porque nós dizemos o tempo todo que somos os racionais. Os homens que acreditam estar no topo da cadeia evolutiva devem cuidar dos demais e não ser predador de todos os outros.

Apenas quando compreendi todas as questões pude vir para cá e atualmente me sinto feliz em poder estudar para, brevemente, poder atuar no cuidado dos seres da natureza. Graças a Deus. SÉRGIO
18/11/18



------------------------Paula Alves---------------

“ACHO QUE O PIOR DE TUDO É O EGOÍSMO E O MATERIALISMO PORQUE PARECE UM VÍCIO”

Eu era louco por carros. Trocava de carro todo ano e não me incomodava de fazer dívida porque eu precisava impressionar. Gostava de sentar em frente ao volante e acelerar sentindo a potência do motor, isso me trazia uma sensação de poder. Mas, eu não era rico, as coisas estavam indo mal no meu trabalho e eu tinha família. Esposa, filhos, pais já idosos. Meu carro quebrou e eu precisava trocar, mas não tinha condições financeiras para isso. O que seria mais correto era trocar por um modelo mais popular, mas se eu fizesse isso as pessoas iriam pensar que eu estava falido.

Eu pedi um dinheiro para o meu pai e ele se recusou porque todos sabiam o quanto eu era doente por carros. Minha mãe estava passando por problemas de saúde e era certo que precisava de um transplante de rim, mas eu nunca questionei se podia ser o seu doador. Estranho como, na vida, a gente se ilude tanto. Era como se eu só tivesse aquela vez para ser feliz, para sentir todas as sensações de prazer e não ligava para mais nada só para minhas questões. Minha esposa conversou comigo e me expôs a real situação da minha mãe que seria novamente internada. Eu fiquei nervoso, peguei o carro e saí apressado. Naquele dia, eu havia bebido bastante, mas nunca achei que pudesse perder o controle da direção porque eu me achava um excelente motorista.

NÃO EXISTEM MOTORISTAS EXCELENTES QUANDO ESTÁ CONFUSO POR CONTA DA EMBRIAGUEZ.

Claro que bati, capotei e desencarnei na hora. O corpo ficou deveras machucado, mas não arruinado completamente. Meu pai soube o que ocorreu e sofreu bastante, mas foi informado pelos médicos que eu poderia doar o rim para minha mãe. Foi tão rápido, eu senti tudo. Ainda naquele corpo sem conseguir me mexer, preocupado com meu carro que ficou em frangalhos e sendo operado. Eu quis ter um treco quando soube que estavam tirando o meu rim porque pensei que ainda estava vivo. Demorei para perceber tudo o que estava acontecendo. Aí chegou a vovó, mãe da minha mãe. Ela me deu um puxão e eu saí do corpo. Ela falou tanta coisa. Falou que, de qualquer forma, minha mãe teria de receber meu rim, mas era para ter sido entregue com amor, por vontade própria.
EU NÃO SERVI PARA NADA, FUI INÚTIL E EGOÍSTA. Não percebi que minha mãe precisava de mim e minha esposa também. Eu só me importava com os bens materiais. Estou aqui em tratamento, para ver se compreendo alguma coisa.
ACHO QUE O PIOR DE TUDO É O EGOÍSMO E O MATERIALISMO PORQUE PARECE UM VÍCIO.
Você quer sempre mais, quer amontoar, quer impressionar as pessoas com suas posses. Eu ainda não penso na minha mãe da forma que deveria. Sei que se fosse o contrário ela não pensaria duas vezes e teria dado o corpo todo para me salvar. Eu me arrependo, mas nem sei como melhorar.
ALFREDO
18/11/18

--------------Paula Alves------------
“MESMO SENDO AVISADO DIVERSAS VEZES, AINDA ASSIM EU SEGUIA COM PERIGO SÓ POR DIVERSÃO”

Tudo por bobagem! Eu adorava empinar pipa. Ver a liberdade no ar, não pensar em nada. Ninguém tem problema nesta hora e nós somos todos iguais. Eu abusava do cortante para ir bem no ataque. Sempre soube que era perigoso, mas as pessoas falam demais.
EU NÃO PENSAVA QUE PODIA SER TÃO GRAVE ASSIM.
Eu mesmo fazia o meu e já havia cortado o dedo, mas nada que fosse para preocupar, então, continuava para a brincadeira ser mais divertida. Eu era um moleque de dezessete anos que não queria saber de nada.
HOJE EU FICO PENSANDO, POR QUE TEM TANTA GENTE OCIOSA?
Tem tanta gente que não quer fazer nada na vida. EU ME INCLUÍA NESTE GRUPO DOS QUE ACHAM QUE VIERAM PARA BRINCAR DE VIVER.

Aqueles que acham que podem levar a vida numa boa e não ter muitas preocupações. Eu nem queria pensar em ter muito trabalho, estudo estava fora de cogitação porque quando se é pobre, normalmente, nem se pensa em conseguir as coisas com estudo mesmo. Ter mais dificuldade? A minha vida era assim, até que um dia a gente ficou sabendo de um homem que morreu com a linha no pescoço. Foi um acidente e eu fiquei pensando, por que acontece isso? Estas fatalidades que a pessoa precisa passar por uma morte tão sofrida como estas?

Eu ainda estava na mesma vida de sempre e, de repente, senti uma forte dor de cabeça, dor no pescoço. Eu não conseguia entender porque parecida que tudo estava confuso como se eu não soubesse mais quem eu era. Aí eu vi a moto jogada no chão e no meu pescoço tinha sangue. Não posso entrar em detalhes, né doutor? Eu não quero assustar ninguém. É que foi estranho para eu saber que tinha crescido e virado motoboy. Eu já era pai da Laurinha e não empinava mais. Eu que tinha passado minha adolescência toda empinando pipa com cortante tinha, sem querer, encontrado uma linha com cortante no meu caminho para me trazer para cá. Eu não entendo por que a gente atrai tanto sofrimento. Tem muita coisa que eu não entendo e aí vou considerar que a gente é muito ignorante mesmo e quer ser esperto.

Acho que foi porque eu não pensei que poderia ferir qualquer pessoa e usei o cortante mesmo assim. MESMO SENDO AVISADO DIVERSAS VEZES, AINDA ASSIM EU SEGUIA COM PERIGO SÓ POR DIVERSÃO. Acho que excede o egoísmo porque vira maldade. Eu me arrependo sim. Acho que foi melhor alguém ter feito isso comigo do que se eu tivesse ferido outra pessoa deste jeito. Não preciso de perdão porque eu sei que quem fez isso só estava querendo brincar, não tinha a intenção de machucar ninguém.
RAFAEL
18/11/18

----------------Paula Alves---------

“A VERDADE É QUE TODOS NÓS TEMOS ENTES QUERIDOS NOS DOIS LADOS”

Eu já estava esperando por ela há mais de quinze anos. É difícil explicar porque a morte não é ruim. Tudo depende do ponto de vista. Eu morri velhinho, vivi uma vida boa onde assimilei muitas coisas, melhorei um bocado com a ajuda de familiares maravilhosos. Tive provas duras que me ensinaram a olhar para o meu semelhante e, por isso, ajudei algumas pessoas que se transformaram em amigos queridos.

Numa destas provas, perdi a filha mais querida e me senti um miserável. Vivi mais vinte anos depois do seu desencarne e me dediquei em matrimônio por mais de cinquenta anos à Isaurinha. Quando desencarnei, ela segurou bem forte minha mão como se tentasse me segurar com ela, mas eu não aguentava mais ficar. Eu vim doído pela separação, mas quando cheguei aqui encontrei minha menina tão linda e cheia de vida. Aguardei Isaurinha procurando ser útil.

Aqui o tempo passa rápido porque tem muita coisa boa para fazer e aprender. Quando percebi, o dia havia chegado e me avisaram que ela precisava de mim. Minha filha sorriu e disse que havia sido informada que ela tinha vivido bem e poderia estar conosco. Nós preparamos o lar para seu regresso e fomos ao nosso antigo lar para ajudar na libertação do corpo. Eu estava tão feliz porque poderia abraçá-la novamente. Quando me aproximei dela, ela gritou de medo e disse que não me queria ali. Os outros filhos e netos acharam que ela estava delirando e oraram fervorosos. Eu não sabia o que fazer. Eu não esperava esta reação. Minha filha me tranquilizou e fomos avisados que seria melhor nos afastarmos para facilitar o desligamento.

Hoje ela está melhor. Está aqui na colônia, no hospital e permanece muito tempo em sono profundo porque ela não quer aceitar o desencarne. Eu não entendo doutor. Achei que ela ficaria feliz de nos ver. Achei que ela, como uma senhora, entenderia que a morte é uma transição natural, mas não é assim com todos. Eu não sei o que pensar. Isso está mexendo comigo doutor porque eu não pensei que precisaríamos sofrer com a chegada dela. Eu nem sei como me comportar nesta situação.
A VERDADE É QUE TODOS NÓS TEMOS ENTES QUERIDOS NOS DOIS LADOS.
Eu não fiquei feliz por tê-la deixado, mas sabia que era necessário, meu corpo não aguentava mais. Quando cheguei aqui fiquei tão feliz quando reencontrei Helena e esperava por Isaura, mas agora o que eu devo fazer?
GERALDO
18/11/18

    --------------------------Paula Alves-----------------
Foto cedida por Magno Herrera Fotografias 
                 
                           “EU NUNCA PRODUZI”

Eu sentia como se estivesse sendo torturado. Era Sempre uma sensação de angústia e pesar. Lâmpada apagada! Foi como se minha luz estivesse apagando. Eu sentia como se ninguém pudesse me ajudar e, isso, porque as pessoas estão envolvidas com seus próprios problemas e eu nem tinha como desabafar. Eu não podia pedir ajuda, mas sabia que precisava de alguém. Era uma vida vazia onde não tem saída, solução, motivação para nada.

Um dia atrás do outro onde tudo é chuva e frio. Foi assim com família boa, trabalho, casa própria. Nada que justificasse minha tristeza. Eu me questionei se, apenas eu sentia este vazio, eu pensei que podia ser falta de fé. Falta de lógica, sei lá. Olhei para minha vida e comecei a pedir explicações, vi muitos piores do que eu que sorriam e conseguiam dar a volta por cima, percebi tantos outros que estavam diariamente comigo e não me enxergavam porque eu sorria para disfarçar e conseguia enganá-los. Eu sabia que a morte não existe e, por isso, não tinha coragem de me suicidar, simplesmente clamei para que o Criador me mostrasse o caminho porque eu não conseguia mais viver daquela forma.

Eu não tive resposta, eu fiquei tão entristecido e passei mais de vinte anos vivendo e sobrevivendo com toda esta tristeza. Não fui ao médico e me sentia patético porque não consegui melhorar. Num dia chuvoso como tantos outros, eu fui atropelado por um caminhão e desencarnei.

FOI TÃO PIOR PORQUE FUI ARREMESSADO PARA O LOCAL DOS QUE SÃO INÚTEIS.

Eu nunca produzi. Os inúteis perambulam e eu não compreendi porque sempre estava acompanhado de uma mulher que chorava bastante. Depois que fomos resgatados, recebi explicações de que ela estava me acompanhando enquanto eu estava encarnado e, por isso, eu sentia a depressão, em parte eram sensações dela. A mulher chorava a dor que causei a ela, decepção amorosa de outras existências. Eu era culpado e permitia, de forma inconsciente, a aproximação.

Tudo acontece por permissão da espiritualidade, eu sei. Estávamos ligados e precisamos de tudo aquilo. Hoje estou bem melhor. Entendo que fui permissivo porque se estivesse envolvido com boas obras, ela poderia ter abrandado seus sentimentos, mas eu nunca me interessei em fazer o bem, por isso tudo, sofri.
EVARISTO
11/11/18

------------------Paula Alves--------------

“O PIOR É QUE NÃO ERA TÃO DIFÍCIL ASSIM PORQUE AS PESSOAS PARECEM NÃO ESTAR MUITO DISPOSTAS A AUXILIAR PELO SIMPLES PRAZER DE SERVIR”

Claro que me irritei com aquela figura que sempre foi terrível, de repente, passar a ser boa gente. Todo mundo, deste lado, consegue perceber o quanto a pessoa prejudicou. Eu fui vítima tantas vezes, eu desejei me vingar e quando a encontrei, lá estava ela, inclinada a fazer o bem.

Eu não estava só porque foram muitos prejudicados e, naquele instante, eu me achei como justa cobradora. Ela se esforçava, tentava fazer o bem e sempre aparecia um cobrador fazendo a influenciação dos que poderiam auxiliá-la. Nosso objetivo era a tortura psicológica. Eu tive a certeza de que, no período máximo de um ano, ela abandonaria todos os trabalhos e nós teríamos alcançado nossa vingança, de vê-la ultrajada e frustrada em seus propósitos edificantes.

O PIOR É QUE NÃO ERA TÃO DIFÍCIL ASSIM PORQUE AS PESSOAS PARECEM NÃO ESTAR MUITO DISPOSTAS A AUXILIAR PELO SIMPLES PRAZER DE SERVIR.
Quando vemos um alguém fazer com empenho, nós procuramos motivos para retalhação. Nós esmiuçamos e averiguamos quais são seus reais motivos como se todos fossem culpados sem direito ao arrependimento e reparação. Eu fui notando seu esforço, sua agonia. Ela se debatia e, muitas vezes, seguia só. Nadando contra a maré. Fui percebendo seu compromisso com a verdade, suas reais intenções. Daqui nenhum pensamento escapa, nós vemos tudo e o bom mostra a sua bondade fazendo despertar os sentimentos. Eu não aguentei.

Chorei quando vi sua tristeza. Ela queria tão pouco, comida, fralda, leite, colchão. Chorava calada querendo gritar, mas os encarnados estão tão envolvidos com as coisas do mundo que eu também chorei. Eu vi que tudo estava errado porque a minha raiva contra ela não podia prejudicar as pessoas que ela tentava ajudar. Eu me comovi e percebi que eu também deveria estar usando meu tempo para fazer alguma coisa, mas eu estava usando meu tempo para atrapalhar.

Eu me arrependo doutor. Ainda não digo que esqueci do nosso passado, mas eu torço para que ela alcance seus objetivos. Naquela noite, eu pude receber o seu apoio e fui trazida para cá. As coisas ainda estão tão difíceis para ela. Eu não queria estar envolvida. Espero que ela consiga e eu também porque um dia, se for possível, quero ajudar.
VITÓRIA
11/11/18

----------------------------Paula Alves--------------

“MUITA GENTE PASSA POR ESTA PROVA NESTE LUGAR, MAS AS PESSOAS TÊM DOIS CAMINHOS:”

Eu limpava as janelas da parte externa dos prédios. Era arriscado e nem tinha os recursos de segurança adequados. Quando a gente é contratado, eles explicam direitinho e você aceita se quiser, mas tem tanta coisa errada no mundo. Eu sempre pensei que ninguém morre no dia errado, aceitei o emprego porque precisava muito do dinheiro. Fiquei contente quando fui contratado. No início tudo são flores e depois a gente começa a ver o mal, segue contrariado, coisa de ingrato, mas eu comecei a me preocupar com os equipamentos de segurança. De tanto a Odete falar que eu podia cair, resolvi pedir as contas e foi complicado lá em casa porque o dinheiro estava ficando escasso.

Na mesma época, minha pequena adoeceu e eu precisei pedir dinheiro emprestado para comprar remédio, mas ninguém quer ajudar ninguém. Eu me desesperei quando vi a criança piorando. Me arrependi de ter pedido as contas e fui pedir dinheiro na rua para comprar o remédio, ninguém deu. Fui até a farmácia e pedi o remédio, mas ninguém me deu mesmo mostrando a receita. A minha prova era esta, privação material. Muita gente passa por esta prova neste lugar, mas as pessoas têm dois caminhos: arregaçar as mangas e não esmorecer, pegar no pesado e viver uma vida toda com o necessário ou se rebelar e pegar o que acha ser seu por direito.

Eu estava cansado das desigualdades sociais, estava cansado de passar privação e não podia deixar minha menina padecendo, então, peguei a arma de brinquedo do meu menino e fui até o mercadinho, tentei roubar, mas levei um tiro e desencarnei como ladrão. Fim do mundo, fazer coisa errada, desencarnar, ser arremessado para um lugar de sofrimento que parece a eternidade e, ainda, se preocupar com sua família. Sofri tanto, mas tanto e quando consegui chegar aqui, já tinha passado 20 anos.

A Luíza está linda! Minha menina recebeu uma ajuda da vizinha. Na noite do assalto, a vizinha esperou o marido chegar com o salário e correu lá em casa, enquanto eu estava sendo baleado, minha esposa estava chorando de alegria porque poderia comprar o medicamento.

NÃO ERA NECESSÁRIO VIVER AQUELE DRAMA, SE TIVESSE TIDO FÉ NAS PESSOAS E EM DEUS QUE DÁ O FRIO CONFORME O COBERTOR.

Se eu não tivesse escolhido o mau caminho poderia ter visto meus filhos crescerem e eu perdi tudo.
MICHAEL
11/11/18

-----------Paula Alves------------

“NÓS NÃO PODEMOS JULGAR, MENOSPREZAR OU HUMILHAR QUEM QUER QUE SEJA”

Eu só tinha horror de gente que pede. Eu trabalhava numa loja alto nível da cidade, gerente. Levei algum tempo para me adaptar ao local e fazer amizade porque era moça do interior. Eu adorava a cidade grande, era o meu sonho e consegui. Cheguei à cidade, mas me deparei com dois lados bem diferentes: uma região nobre com arte e todo tipo de informação cultural, outra região paupérrima com pessoas morando nos viadutos, se drogando e cometendo crimes de todos os tipos. Isso me amedrontou, eu fiquei apavorada. Eu me esforçava para não andar sozinha e nem passar por alguns caminhos tarde da noite.

Me adaptei, estava indo bem nos estudos e no meu trabalho quando me deparei com uma moradora de rua de uns 35 anos, acabada, envelhecida e suja. Ela entrou na loja pedindo comida. Eu não acreditei e depois de ficar assustada, achei estranho ela ter a capacidade de entrar numa loja tão chique para pedir comida. Por que não foi numa lanchonete, tinha que ser ali?

Eu olhei nos olhos dela e queria escurraçá-la, mas os olhos dela me sugeriam que eu a ajudasse, como se tivéssemos uma estranha ligação.  Eu peguei minha bolsa e tirei dela uma quantia suficiente para pagar uma boa refeição, ela agradeceu e saiu. Eu não consegui me esquecer do olhar dela. Meses se passaram e eu conheci um rapaz na faculdade, de boa família, ele me convidou para sair e eu me apaixonei por ele. Fomos ao teatro e quando pedi que ele me levasse para casa, ele parou o carro numa rua estranha e tentou me molestar. Eu fui socorrida por uma senhora e um homem bem forte que moravam na rua. No desespero não atinei, principalmente porque o homem que estava com ela desferiu um soco no rosto do rapaz que estava comigo e ele foi embora me deixando para trás.

Quando ela pegou em minha mão tentando me acalmar percebi que era a mesma senhora que eu ajudei. Eu vivi a vida toda agradecendo a Deus por ela existir e não poderia imaginar que em outras vidas ela já foi minha mãe. Eu senti uma forte ligação com ela e hoje fico abismada em perceber o quanto estamos sempre esbarrando em nossos afetos.

NÓS NÃO PODEMOS JULGAR, MENOSPREZAR OU HUMILHAR QUEM QUER QUE SEJA.

A roupagem muda e nós nunca reconhecemos aqueles que formam nossa verdadeira família espiritual. Eu sou muito agradecida por todas estas informações.
LUCÍOLA
11/11/18

---------------------Paula Alves------------------------

Foto cedida por Magno Herrera Fotografias

“HOJE EU SEI E COMPREENDO QUE EU NÃO TINHA DEUS DENTRO DE MIM”

Meu Deus! Não dá tempo nem de correr. Sabe aquela sensação de que está tudo acabado. Eu senti desespero, medo, angústia. Tudo ao mesmo tempo, naquela fração de segundos antes da onda pegar tudo o que estava à sua frente. Eu adorava o mar e naquele dia, eu achava que seria feliz. O ser humano se acha muito esperto, mas tudo o que ele quer é a felicidade. Vive buscando coisas, pessoas ou momentos que o faça se sentir feliz e tem gente que nunca na vida se sente feliz porque busca a felicidade no lugar errado.

Eu era assim. Eu tinha depressão. Achava tudo sem graça, achava as pessoas esquisitas e até minha família achava que não me amava e que não me merecia. Eu ia à praia e olhava o mar, sentia o sol e, apesar de todas as facilidades materiais que eu tinha, eu ainda achava que aquilo não bastava. Acho que foi falta de Deus porque, hoje sabendo o pouco que sei, já entendo que, quando a gente crê em Deus já sente que é amado e sabe que tem alguma coisa importante para fazer para si e para os outros, além disso, quem crê sabe que este planeta aqui é só um pedacinho do Universo e que tem muito mais por aí. Tem muitos outros mundos mais elevados com seres muito mais evoluídos que nós.

Hoje eu sei e compreendo que eu não tinha Deus dentro de mim, por isso, queria morrer o tempo todo. Nunca apreciei a vida como aprecio agora. Eu precisei ser sufocada por toda aquela beleza. Eu precisei ser engolida pelo mar. E sei que, quando fui tragada pelo mar, eu e todos os que estavam a quilômetros de distância daquela praia maravilhosa, senti tudo e fiquei extasiada porque nada era real para mim que não acreditava em nada. Eu já não respirava e ainda conseguia sentir e enxergar tudo. Foi pavoroso e incrível, nem sei explicar. Deve ter muitos como eu por aí e queria que eles deixassem de ser antes de passar para cá porque deve ser bom viver a vida com a certeza do invisível.

Ter a certeza no que se sente deve ser bom. Pra quê racionalizar tanto se a razão ofusca? Eu estou bem melhor doutor, mas ainda tenho pânico do mar. Aqui tem praia e eu estou fazendo o tratamento da aproximação, mas ainda não consigo tocar. Eu vou melhorar e sempre quis ser bióloga marinha. Será que eu consigo planejar para a próxima reencarnação?
LÍDIA
04/11/18

------------Paula Alves------------

“OUVI DIZER QUE AS PESSOAS TEM QUE PRESTAR A ATENÇÃO NO QUE É VERDADEIRAMENTE, SÍMBOLO DE CRISTÃO, MAS NA REAL O QUE ACONTECE NÃO É ISSO”

Eu desviei sim, mas nunca pensei que aquilo iria prejudicar alguém. Era fácil porque quando a empresa ganha muito chega uma hora que perdem o controle do orçamento e você arranja as movimentações, ninguém percebe. Eu ficava até mais tarde e manipulava do meu jeito. Eu sempre tive necessidades materiais. Gostava de comer bem, gostava de me vestir bem. Nada daquele negócio de comprar em qualquer lugar. Tive horror de brechó, roupa de loja de pobre. Tinha horror de sapato de segunda linha, eu queria produto importado, perfume do bom. Resquício da outra vida onde fui tão rico. É outro nível. Todo mundo percebe quando você é bem alinhado e não adianta dizer o contrário, as atenções são outras. A gente é bem tratado na porta. Não precisa nem falar, você tem o melhor lugar no restaurante, cadeira cativa, te servem melhor e te respeitam quando você tem ou aparenta ter porque afinal, ninguém precisa ver a carteira. Eu acho até bacana este jeitinho simples de ser. Acho bonitinho ouvir dizer que é modesto e que se veste com simplicidade para não chamar a atenção.
OUVI DIZER QUE AS PESSOAS TEM QUE PRESTAR A ATENÇÃO NO QUE É VERDADEIRAMENTE, SÍMBOLO DE CRISTÃO, MAS NA REAL O QUE ACONTECE NÃO É ISSO.
Vê que o de fora tem mais valor?
O filho da casa pode não atrair tanto a atenção quanto a figura solene do bairro vizinho. É sempre assim.
OSTENTAÇÃO E LUXO CONQUISTAM MAIS QUE MORALIDADE.
 Então, sabendo de tudo isso, eu tinha mais motivação para fazer o caixa dois. Desviei muito e consegui tudo o que queria materialmente falando. Tudo, desde casa, carro, viagens, esposa, filhos bons e educados porque todo mundo quer um pai rico e atencioso. Todo pai e mãe querem um filho bem sucedido. Quem não quer um irmãozinho que aluga uma mansão para o fim de ano? Enfim, eu tive bens e tive família, amigos, tudo, mas não contava com a Lei de atração. Eu achei que não prejudiquei ninguém, mas alguns funcionários foram demitidos por meu delito, só que era impossível desconfiar de mim. Eu fui aumentando meus débitos e atraí uma triste doença nos intestinos. Triste e incurável. Eu era jovem e já estava prostrado no leito após uma cirurgia. Depois de dois anos tentando me recompor, eu desencarnei em outra cirurgia terrível e passei para este lado com tudo de fora. Cruel o que a mente da gente faz. O culpado sofre o próprio erro nas chagas que leva ao perispírito.

Eu vaguei, chorei e estava sentindo tanta dor que nem mesmo pude compreender que estava errado porque ainda me senti vítima. Demorou para me arrepender do que havia feito. Eu fui um mentiroso. Eu achei que tinha tudo e não tinha nada, nada me pertencia realmente. Não tive afetos reais, o que acumulei de bens não trouxe para cá e meu corpo virou um pavor. Eu ainda estou me tratando do corpo e da alma para entender o que fiz de bom e ruim comigo e com os outros. Na próxima deverei expiar porque em carne não recebi a punição. Já sei de uma doença congênita e não vou me opor porque na verdade, para estar aqui, eu só tenho que agradecer.
EVERTON
04/11/18

--------------------------Paula Alves------------------------

“FORA DA CARIDADE NÃO HÁ SALVAÇÃO DISSE O SANTO JESUS, EU SÓ ENTENDI NA PRÁTICA”

Uns passam a vida toda sem compreender por que as pessoas se movem pela caridade. Estas almas raras que seguem por aí inclinadas em produzir o bem e são tocadas nos mais íntimos sentimentos sempre quando vêm alguém passar por algum tipo de sofrimento.

As pessoas não estão acostumadas com alguém que está preocupado em servir. Elas se surpreendem e acham que estas criaturas são insanas ou estranhas. E a questão vai além, quando os ditos normais, se esforçam para compreender o que está errado com eles. Deve ter um motivo para agir assim, ou estão com problemas ou não são convidados para o convívio social. Isso por que só pode ter alguma doença quem só pensa no outro e não em si. Também, se não tem para onde ir, se não têm grupos de amigos, eles devem se ocupar com estas bobagens de ajudar quem precisa. A mente das pessoas é fantástica. Sempre que percebe que alguém é diferente é causa de espanto ou repulsa. Eu conheci Georgia há muito tempo e me deparei com uma linda mulher que me irritava com sua preocupação pelos menosprezados. Mas, nós éramos bem nascidos e jovens. Nós podíamos ter tudo e curtir nossa juventude sem preocupações. Eu me apaixonei pelos olhos azuis de Georgia, mas a conversa dela me irritava, porém não era só eu que me irritava. O pai dela já havia proibido que ela saísse para alimentar pobres ou curar as feridas dos desalentados. Georgia saia escondida e como não tinha amigas para acompanhá-la na árdua tarefa, ia só correndo riscos, mas ela só se importava com os outros e sorria com cada rosto macilento que pudesse acarinhar.

Fui usado diversas vezes para que ela pudesse sair, mentira do bem, dizia ela. Ela saia munida de marmitas que fazia sozinha, leite para as crianças e remédios. Eu me preocupei com ela e decidi acompanhá-la, mas confesso que sentia nojo daquela gente feia e fedida. Era de todo tipo, gente que não sabia falar e que andava sem banho, mas ela não se importava e abraçava as velhinhas, beijava as crianças. Todos gostavam dela e eu tive que me envolver cada vez mais. Aos poucos, fui amando aquela mulher que não ligava para si, mas para a tarefa de levar conforto, paz e atenção àqueles que nem sabia o nome. Eu a conduzia, levava as sacolas e não pude deixar de trocar as bandagens de uns e outros.

O AMOR FAZ DE NÓS SERES MELHORADOS.
Eu fui quebrando meu egoísmo e fui me tornando mais cordial com eles. Fui trabalhando ao lado dela e ela olhou para mim com a doçura que eu sempre quis. Eu me casei com ela e usei parte da minha fortuna para abrir um internato onde as pessoas recebiam assistência de todos os tipos. A caridade me transformou e hoje eu sirvo com amor e nem sei o que seria de mim sem o trabalho que executamos deste lado na esfera inferior. É muito difícil olhar para um ser humano nas condições que os encontramos. É difícil perceber que muitos encarnados que são como eu fui, certamente, adentraram esta realidade com suas chagas morais e se tornarão nossos pacientes. Quando eu os vejo, sei que eu poderia estar no lugar deles se não fosse por Georgia.
FORA DA CARIDADE NÃO HÁ SALVAÇÃO DISSE O SANTO JESUS, EU SÓ ENTENDI NA PRÁTICA.
JOSÉ CLEMÊNCIO
04/11/18

-----------------------Paula Alves--------------
“ACHO QUE QUEM AJUDA É MAIS FELIZ”

Faltou emprego. O desespero ia bater, mas eu não tinha tempo para sofrer porque tinha família para alimentar. Eu sabia que a fábrica ia fechar e já tinha gente falando que a gente seria indenizado, mas eu não podia esperar a justiça decidir meu futuro porque a gente come todos os dias, não dava para esperar não. Eu pensei no que poderia fazer. A minha esposa nem esperou, saiu na vizinhança e se ofereceu para fazer faxina e lavar roupa para fora. A menina mais velha começou a fazer bolo e sanduiche para vender de manhãzinha para quem ia trabalhar. Aí eu pensei em vender pipoca. Fui o primeiro dia e vendi bastante, fui o segundo dia e vendi tudo, fiquei tão feliz.

TEM GENTE QUE FICA UM TEMPÃO ESPERANDO O DINHEIRO CAIR DO CÉU, NEM PERCEBE O QUANTO RECEBEU DE DEUS PARA PODER PROSSEGUIR NA VIDA.

A minha família me ensinou muito porque quando vi as mulheres da casa se esforçando para ganhar o sustento, eu vi que trabalho é tudo digno, não tem este ou aquilo o que importa é ser honesto. Eu vi por toda parte gente reclamando e até chegou um amigo da fábrica para comprar pipoca para a filha. Ele falou que ia me ajudar porque eu devia estar precisando para estar naquela situação, comprou a pipoca e depois ficou desabafando a falta de dinheiro comigo, mas eu estava vivendo bem como pipoqueiro, com as mulheres trabalhando e eu ainda procurava emprego nas outras firmas. Sei que, ouvi de tudo. Gente que tem vida boa e desperdiça tanto. Gente que joga comida boa no lixo para não dar para ninguém, gente que podia fazer muito mais do que faz. Isso sempre existiu, mas tem gente que é boa e quer ajudar e nem percebe que podia fazer tanto, ser tão útil na sociedade e se acomoda porque é mais fácil.

Eu me esforcei e arrumei outro emprego, vi que as meninas eram tão esforçadas e resolvi abrir um lugarzinho para que pudessem servir refeições, minha filha tem mãos de fada, tudo o que ela faz fica gostoso. Comprava frutas e quando não virava suco, virava doce, torta. De tudo ela fazia para não desperdiçar e quando não vendia todas as refeições, levava o restante para os familiares que não estavam passando por uma fase tão boa quanto a nossa. Sei que o negócio dela cresceu, acho que foi porque ela fez de bom coração e abriu um belo restaurante, sempre com a mãe ajudando e as irmãs. Eu só fiquei olhando como elas progrediram e puderam doar parte das refeições para a comunidade perto de casa. Coisa linda ver o sorriso delas. Acho que quem ajuda é mais feliz. A gente nem entende o porquê da felicidade, mas todo mundo que está perto consegue sentir também um pouquinho do amor que elas têm de servir. Eu descansei feliz quando chegou a hora porque vi que minhas filhas eram moças honradas, com mentes boas. Estavam livres de sentimentos perversos, apenas carregavam a paz. Eu nem dei muito estudo pra elas e o bem que elas sempre fizeram me ensinou que é assim que a gente deve viver sempre.
ULISSES
           04/11/18

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