Cartas de Setembro (20)

Foto Cedida por Magno Herrera Fotografias

“EU ACREDITO QUE TODOS OS SEMELHANTES SE ENCONTRAVAM NO MESMO LOCAL”

Foi um horror, mas havia gente de todo tipo. Os que temiam por suas vidas, os que rezavam pra guerra acabar e todos os revoltados que saiam atirando pra todo lado. Eu acredito que todos os semelhantes se encontravam no mesmo local. No fundo não fazia muita diferença porque eu não tinha ninguém pra chorar no meu caixão e sabia que seria uma vida inútil, então, quando fui convocado, apenas parti.

Eu vi aqueles homens chorando escondido quando podíamos dormir um pouco e ainda tentavam cantar. A guerra é triste! Dizer que acreditávamos saber o motivo pelo qual estávamos lutando, mas não. Ninguém entendia nada, só saia atirando desesperado para se defender. Era matar ou morrer e é isso o que torna a guerra mais revoltante porque de qualquer jeito as pessoas perdem, a humanidade perde. Eu vi o horror! Gente morrendo pra todo lado, feridos de todos os tipos e teve dia que me perguntei por que não fui baleado.
Eu saia atirando sem mira num desespero total. Temia ser capturado pelos vietcongs.  Em Deus nunca pensei. Não sei por que. Acho que nunca fomos apresentados. O fato é que fiquei me perguntando como seria ter uma vida normal. Tanta gente que reclama tendo tanto. Homens que podem progredir em tudo. Homens que têm chance de viver a vida e a felicidade, eles ficam reclamando e desejando mais do que possuem.

Eu sei que vivi o que devia, mas as imagens ainda são fortes e me fazem estremecer. Pedi para retorar e tive meu pedido atendido. Eu lhe agradeço doutor porque sei que o tratamento me deu a consciência de que, para todos, a vida é a melhor que poderia ser. Até mesmo porque somos nós que atraímos cada uma delas pela necessidade de reajuste. No final desta jornada, eu ainda tive sorte porque, apenas perdi a perna e fui mandado para o local de origem. É claro que não havia ninguém me esperando e viver como um aleijado me deixou pior ainda, bebi tanto que as lembranças se apagavam um pouco, mas elas sempre retornavam e para piorar foram muitos os que se reencontraram depois do reencarne numa guerra que durou tanto tempo. Eu agradeço o socorro e também toda ajuda que tive de vocês.
ROMÃO
03/09/2017

-----------------------Paula Alves----------------------

“MUITO SE ENGANA QUEM PENSA QUE É SÓ COLOCAR COMIDA NA MESA”

A sorte foi nunca ter faltado trabalho. Muitas vezes ia dormi orando, pedindo pra Deus uma oportunidade de trabalhar e trazer o sustento pra casa. Eu chegava a chorar de alegria quando alguém batia na porta me procurando. Sempre tinha quem precisasse de arrumadeira ou passadeira. Aquele que quer trabalhar sempre arruma alguma coisa. Eu não escolhia serviço e ia me virando.

Vida dura porque tinha hora pra começar e não tinha hora pra terminar. Reclamar não dava porque não tinha tempo pra isso, mas conforme o tempo foi passando meu corpo foi me pregando algumas peças. Eu não me alimentava como devia, tinha dia que era apenas um pratinho minguado de comida pra sobrar pros pequenos. O pai dos moleques morreu de amarelão. Foi um bom homem o coitado, só não teve oportunidade.

Eu não entedia nada quando ela me perguntou se eu queria fazer um servicinho. Eu sempre aceitava e achei ótimo que naquele dia era só pra fazer uma entrega. Achei estranho porque o pagamento era alto. Eu fiz. Confesso que achei muito bom porque dali pagaria o aluguel e ainda ia sobrar muito. Pensei que chegaria cedo em casa pra cuidar dos moleques. Emboscada seu moço. Coisa feia mesmo. Onde já se viu me confundir com aquela moça fina? Entregar um pacote que demorei pra entender o que tinha. Cheguei e já saíram metendo bala. Não deu tempo de nada, só respirei e quando vi já tava largando o corpo.

Sofri porque fui ver os meninos largados e percebi que fracassei como mãe. Eles entenderam tudo errado. O tempo passou e o boato era da mãe ser traficante. Como assim? Eu era tudo: faxineira, cozinheira, passadeira, camareira, mas traficante? Isso eu nem sabia o que era direito. A mulher acabou comigo. Por causa de dinheiro sim, mas quem não faria?

Dinheiro que mata a fome e paga contas. Os moleques ouviram tanto que eu era traficante que caíram nas mãos de gente errada e meus meninos, que eu esforcei pra conduzir, estavam todos perdidos para o tráfico. Que dó. Faltou muito pra ser mãe. Não era só morrer de tanto trabalhar, era ensinar no caminho reto também, muito se engana quem pensa que é só colocar comida na mesa.

Difícil esse negócio de encaminhar. Passar pela vida sem deixar rastro era melhor do que sair suja. Eu queria ajeitar as coisas, mudar minha situação. Eu sofri muito de remorso e de decepção. De ver que tudo saiu tão errado e nem importa o que eu atraí ou as faltas do passado porque os erros do presente acabaram comigo e, por isso, estou aqui. Pra ver se eu me perdoo e sigo em frente. Eu agradeço a oportunidade.
MARIA AUGUSTA
03/09/2017

---------------------------------Paula Alves-------------------------

“SOU OBRIGADO A SER SINCERO E COLOCO UM QUESTIONAMENTO”

Similaridades acontecem o tempo todo. Alguém que te encontra na rua e acha que te conhece, gente que te confundi. Eu sempre fui um sujeito comum. Altura mediana, pardo, nem gordo nem magro, cabelos e olhos castanhos. Igual a todo mundo. E me dei mal por causa disso. Estava na hora errada no caminho errado, eu atraí. Eu acho que muita coisa é injustiça.

Vocês vão me falar que Deus é justo e bom, toda esta história de lei de causa e efeito, não aceito não. É muito injusto mesmo. Já teve gente aqui me falando que eu pedi pra acontecer o errado comigo, fala sério. Abri o olho gente. Coisa errada pode acontecer e mudar sua vida pra sempre. Eu estudei e trabalhei muito duro.  Sempre andei na linha porque tinha medo de faltar com a justiça, parece até que eu estava adivinhando. Sabe aquela pessoa que paga imposto, não sai do mercado sem dar a moedinha, o valor certinho na padaria? Era eu.

Todo certinho até aquele dia. To saindo do banco com o meu salário mirrado e escuto um homem falar no meu ouvido: “Perdeu!”. Mas, como? Não percebeu minha cara de pobre? Saiu me arrastando dizendo que queria as senhas. Senhas de quê? Eu também queria as senhas. Daí foi uma tormenta. Apanhei e fui torturado de todo jeito pra falar a senha, mas eu não sabia do que eles estavam falando e morri por causa disso. Todo arrebentado, me jogaram num buraco qualquer e acharam o sujeito certo que estava muito bem protegido e matou todo mundo. Só crueldade por causa de dinheiro.

Sei que já havia feito muito pior em outros tempos e quando me mostraram, eu até entendi, mas ainda acho injusto porque, desta vez, eu estava andando na linha. Será que isso não poderia ser levado em consideração? Pra que sofrer daquele jeito? A gente respeita porque não tem outro jeito, fala que entende porque tem que prosseguir. Sou obrigado a ser sincero e coloco um questionamento.

Não seria melhor ser exterminado para sempre do que ficar com estas lembranças? Aí eu tenho que fazer tratamento, senão eu tenho que reencarnar, mas reencarnar e passar por situações piores? Quem confia nesta tal reencarnação? Por mim fico aqui pra sempre. Só falar o que tenho que fazer. Trabalho e faço tratamento pra sempre.
MAURI
03/09/2017

-------------------------Paula Alves---------------------

“VIVER A VIDA DO JEITO QUE PODE COM ESPERANÇA E TRABALHO NO BEM”
Eu escondi porque não havia outro jeito. A sociedade te julga e te condena sem jeito de defesa. Eu me entreguei por amor a um homem que era a luz dos meus dias. Sabe aquela pessoa que termina suas frases. Eu me via nos olhos dele e sabia que era amada. Eu temia por nós, mas precisava tentar. No fundo sabia que meus pais nunca permitiriam minha união com o funcionário da fazenda, mas e daí? Eu só queria estar nos seus braços e mais nada. Até o dia que meu irmão mais novo viu tudo.

Eu percebi a revolta nos olhos dele. É como se aquele menino sempre tivesse me odiado. Foi com tanto prazer que contou ao meu pai o que eu estava fazendo e eu apanhei muito naquele dia. Achei que ali era o fim porque meu pai até urrava pra me bater. Eu nunca tive amor por ele. Era como se nos entregasse como mercadoria de troca. Minhas irmãs mais velhas sofriam nas mãos dos maridos e ele lucrando. Rapidamente ele se livrou do Bento, nunca mais soube dele, parece que levou uma surra e foi posto pra correr.

Assassino meu pai não era, só era ruim mesmo. Meu pai tratou de me arrumar um marido e logo eu estava casada com um sujeito estranho que mal me olhava quando queria as coisas comigo. Eu tinha nojo dele. Sei que aquele filho era do Bento e eu agradeci a Deus porque eu não poderia amá-lo mais se não fosse. Meu doce bebê. Precisamos ficar naquela família que nada tinha de nossa. Tanta injustiça, tanta briga por posses, por poder. Era tanto filho que depois da morte dos meus pais o patrimônio foi se extinguindo. Dei graças a Deus porque quando aquele fracassado do meu marido percebeu que não lucraria mais comigo, me abandonou.

Meu filho estava com seis anos e ele simplesmente me deixou com dívidas e um casebre em ruínas. Foi aí que as coisas melhoraram pra nós. Passados dez anos eu reconstruí minha vida. O Antônio já era rapazinho e trabalhava, assim como eu que nunca fui preguiçosa. Vivíamos bem quando o reencontrei. Nunca poderia me esquecer do seu olhar. Era ele mais envelhecido, mas era ele. Ao seu lado uma esposa e quatro filhinhos. Eu, apenas cumprimentei e fui embora. Eu me pergunto todos os dias como poderia ter sido, se eu tivesse falado que o Antônio era seu filho e que eu ainda o amava. Eu não podia atrapalhar o relacionamento que ele tinha construído e segui minha vida. Sempre eu e meu filho que encontrou uma bela mulher decente e formou a família que sempre cuidou de mim. Apesar de tudo, foi uma boa vida e torço para que ele esteja bem. Viver a vida do jeito que pode com esperança e trabalho no bem.
IVONE
03/09/2017



Foto Cedida por Magno Herrera Fotografias




“EU NÃO SEI SE TERIA CORAGEM DE FAZER MAL ASSIM”

Eu não poderia prever que tudo aquilo fosse arruinar minha vida. Eu estava indo tão bem naquele emprego. Eu adorava trabalhar naquela empresa. Tinha um ótimo salário, amigos entre os funcionários e acreditava que estava me envolvendo com Mário. Eu estava tão apaixonada que me deixei seduzir por uma noite de amor. Repentinamente aquela mulher se meteu entre nós. Com um sorrisinho dissimulado, tão agradável e simpática que me davam raiva.

Pessoa bondosa demais pra quem nem era conhecida. Começou a trabalhar e em duas semanas conversava com todo mundo, sorria e acenava, abraços e ligações com toda a empresa, até com o Mário que estava encantado por ela. Que raiva! Parece que só eu notava que ela era falsa. O pior é que minhas amigas a convidaram para nossos passeios e fui obrigada a aguentar a delicadeza toda, a voz mansa. Falei pra elas que a mulher era fingida e o que aconteceu? Saí de ruim. Fiquei com vergonha porque perceberam que ela estava se envolvendo com Mário, então, eu passei a ser aquela que é invejosa porque a fulana era linda e divertida. Não era inveja ou até era porque eu nunca vi ninguém fazer amizade tão rápido. Eu me esforçava para fazer contato social, nunca foi fácil, mas ela? Não demorou muito para o Mário anunciar o namoro e logo depois o noivado. Chorei de raiva e desejei matá-la.

Eu não sei se teria coragem de fazer mal assim. Eu não fiz. Não sei se eu tivesse tido coragem teria sofrido menos. Acho que não. O fato é que eu estava certa, ela era intrusa, espiã. Estava vendendo informações para uma empresa concorrente e como era muito atenciosa com todos conseguia entrar em todos os lugares, sabia de tudo e vendia as informações. Desconfiei, fiquei no encalço dela e a danada foi tão esperta que me envenenou, mas antes de morrer eu escutei dos lábios sarcásticos da assassina o quanto eu era patética e invejosa. Eu não pude nem responder, ela acabara com meu aparelho laríngeo. Foi dramática minha situação de obsessora porque eu não conseguia perdoar.

Eu me sentia uma vítima e passei a persegui-la, mas foi terrível porque eu presenciei todos os momentos em que ela traiu e causou o mal para obter o que desejava. Eu não aguentava mais nossa união de cinquenta anos e pedi pelo amor de Deus que eu queria me desligar dela. Eu fui atendida e vim pra cá. Sofri muito e não me lembro de uma situação onde fui feliz naquela existência. Tudo perdido por alguém que nem ligava para mim. Eu perdi tudo.
LUZINETE
09/09/2017

------------------Paula Alves--------------

“QUANDO É AMOR DE VERDADE NINGUÉM PENETRA”

Ainda existem muitas coisas que não me entram na cabeça. Uma série de situações onde eu não entenderia como isso ou aquilo acontece. Eu sei que tudo é mental deste lado e que a gente readquire lembranças e potenciais depois que perde corpo. Achei fascinante ver o que acontecia deste lado.

Sofri, é verdade. Sofri as dores físicas, as vontades de todas as espécies. Senti saudades e me encontrei num lugar onde todos eram meus iguais. Vivi bem por centenas de anos. Desempenhando apenas o que me exigiam, sem reclamar ou questionar pode-se viver bem, mas o laço com a matéria ainda era forte e eu me sentia bem se conseguisse captar algum fluido para me lembrar do como era estar vivo de novo. Era um serviço atrás do outro. A gente nem tem ideia do quanto os encarnados são infelizes com tudo o que têm. Tem gente que quer outro amor, um novo, quer se livrar do atual ou quer o antigo que já está casado. Em assuntos do coração, quem é que entende?

Eu achava estranho porque se alguém não te quer melhor partir pra outra e deixar o outro em paz, mas não. Nem sei se explica o orgulho, a mágoa ou se é maldade mesmo porque tinha gente com criança pequena. Eu não tava lá pra ficar pensando muito, só fazia o acordo e pronto. Era tão certeiro porque a pessoa que desmancha relacionamento não está firme na relação, então era ponto pra nós.

Achei que fosse sempre assim até que, um dia, estava incumbido de separar um casalzinho. Eles eram boa gente, ainda não tinham filhos e tinha uma senhora jovem e bem linda que queria o rapaz. Contratou e eu precisei fazer o serviço. Fui lá e não conseguia entrar. Tentei de tudo, mas tava tão difícil que achei que tinha destreinado. Fiquei na espreita e coloquei umas paradinhas no portão de entrada. Eles nem ligaram. Parecia até que estavam mais apaixonados. Eu não acreditava em amor, por isso, nunca achei errado o que fazia, mas naquele dia eu vi uma coisa estranha, muito estranha.

Eu tentei invadir a casa e como não consegui penetrar eu ouvi uma voz na minha cabeça, ela disse: “Vá embora que aqui não tem nada pra você. Com estes dois, você não pode não. É muito amor meu caro. Quando é amor de verdade ninguém penetra.” Eu fiquei muito indignado porque não conseguia ver quem falava. De repente, eu vi os dois em várias épocas. Várias existências onde estavam ligados de várias maneiras, irmãos, pai e filho, amigos leais e casal em muitas vezes. Sempre os dois como ricos e como pobres. Os dois na maldade e, por fim, na bondade, na caridade, na honra e na fé. Eu chorei quando percebi que aqueles dois me receberam como filho numa existência antiga. Eu não podia separar os dois que me trataram tão bem.

Eles não podiam ser separados por ninguém. Era muito amor. Eu entendi e fiquei muito triste porque eu não tinha amor por ninguém, mas um dia eles tiveram por mim e eu lembrei. Pedi, sei lá pra quem, pra sentir este amor e aqui estou. Tentando entender tantas coisas, mas agradecido porque já estou diferente. De algum jeito, melhor do que antes. Obrigado.
DAMIÃO
09/09/17

------------------------Paula Alves----------------------------------------

“AINDA DESEJO MAL A ELE E SEI QUE ISSO NÃO É PERDÃO”

Eu nem consigo explicar como dói no peito saber que alguém que você ama não voltará mais. Eu senti uma coisa estranha naquele dia. Eu acordei mal e temi que acontecesse o mal pra alguém que eu amava. Eu fui trabalhar, abracei minha esposa com tanto carinho e olhei para os meus filhos com intenso amor. Eu fui e por um momento eu não sabia o que poderia esperar de um breve futuro porque eu tinha a certeza que não teria paz. Foi a última vez que eu a vi.

Depois disso, foram quinze dias de procura por toda a cidade. Tinha quem afirmasse que ela havia fugido e abandonado a família, mas ela não faria isso. Foi a melhor esposa que eu poderia ter tido. Eu não aceitei quando a polícia informou que não iria mais procurar por ela e passei a procurar sozinho como louco. Eu nem sabia por onde começar. Não sabia se caia no vicio ou ia pra igreja. Lembrei dos meus filhos e arrumei força nos olhos deles.

Continuei e descobri que ela havia sido morta por um ex-namorado. Nem sei como pude aguentar de vontade de matá-lo. Quando cheguei à casa do marginal e vi peças de roupas dela... Sei que minha adorada nunca me trairia e isso me doeu muito porque, para não me causar sofrimento, ela nunca me contou das perseguições que sofrera. Ela tentou resolver sozinha e acabou da pior maneira. Eu preferia a verdade. Preferia ter quebrado o nariz dele. Preferia qualquer coisa a isso. Viver sem ela com aquela dor, com aquele arrependimento que eu não pude protegê-la. Após anos de fel no coração eu pude criar meus filhos. Sei que não fui o pai que mereciam porque eu nunca mais sorri. Desencarnei e vaguei por algum tempo para expurgar toda minha revolta e quem estava lá quando já estava mais depurado? Ela, tão linda e radiante.

Eu parecia um velho e ela tão jovem e bonita. Como se o tempo não tivesse passado me beijou e trouxe pra cá. Eu preciso esquecer o que vivemos, mas não consigo. Ainda desejo mal a ele e sei que isso não é perdão. Estou me esforçando para que possamos continuar juntos neste local tão agradável. Eu vou conseguir.
VITOR
09/09/17

---------------Paula Alves---------------

“PENSO QUE NOSSA MENTE É TÃO ASTUTA QUE NOS ENGANA”

Depois de anos poupando, eu consegui abrir minha floricultura. Eu adorava aquele local. Enfeitei do meu jeitinho e me esforçava para ser agradável com meus clientes. Como é bom desempenhar a atividade que te dá prazer. Eu me sentia muito feliz, mas de repente, percebi que minhas contas estavam atrasando. Eu não tinha como manter meu aluguel.

Desesperei e pensei em pedir emprestado para os meus pais, mas não ia dar pra muito tempo, então naquele dia, quando ela entrou na loja eu já estava deveras preocupada com minha situação financeira e nem pude notar o quanto havia chorado.
Me pediu um buquê de rosas brancas e, enquanto me distrai fazendo a amarração, ela sumiu esquecendo a carteira. Foi por impulso que abri e percebi tantas notas que meus olhos brilharam. Ela retornou, pegou o arranjo que já havia sido pago e saiu apressada. Eu podia, mas não entreguei a carteira. Pensei apenas em mim e utilizei o dinheiro que tinha lá. Até os documentos ficaram comigo, tudo. Depois de algum tempo eu tentei lhe entregar os documentos, mas não consegui, deixei pra lá.

Tanto tempo se passou que já tinha me esquecido desta história. São coisas que te dão frio na barriga na hora e depois você esquece. Quem nunca cometeu um pequeno deslize ou delito que não trouxe grande repercussão. Tem muita gente que se diz honesta e cai nestes vacilos da vida. Eu perdi muito mais do que ela, a dívida está paga não é? Esta mulher não foi minha conhecida, apenas esteve ali para desencadear a lei.

A prova em que falhei. E o tempo passou. Eu me casei com um rico publicitário que um dia entrou na loja e sorriu pra mim. Tive filhos e muitos bens por causa deste amor. Realmente achei que fosse privilegiada e que minha vida era perfeita até aparecer outra mais jovem e mais bela do que eu.

Outra que fez de conta que não viu, poderia se apoderar de algo que não lhe pertencia. Eu não a culpo de nada. Sei que mereci, agora. Até então, não era possível enxergar assim. Eu achei que fora boa demais, uma mãe extremosa, mulher trabalhadora e leal, esposa amantíssima. Por algum tempo me esqueci da jovem ambiciosa que fui. Me esqueci do quanto desejei ter para ser.

Eu precisava disso tudo para reavaliar minhas reais virtudes, meu caráter. Penso que nossa mente é tão astuta que nos engana. Pode nos transformar no que quisermos. Basta querer. Agora eu preciso de um tempo para me reconhecer e seguir meu caminho. Obrigada por desvendar quem sou. FABIANA
09/09/2017



Foto Cedida por Magno Herrera Fotografias


“QUEM TEM A MENTE SÃ NÃO PRECISA DE MULETAS”

A mente era perfeita, mas as pernas... Que vontade de andar, correr, pular. Eu passei a minha vida toda almejando fazer alguma coisa com minhas pernas. Eu queria senti-las. Eram mortas, tudo morto da cintura pra baixo, doença congênita. Ninguém sabia explicar o motivo, diziam muitas coisas e meus pais nunca souberam entender e nem me explicar o motivo do meu calvário.

Eles falavam de castigo e me olhavam com um pouco de revolta porque eu dava muito trabalho. De fato, me sentia tão diferente, tão inútil, ainda mais se me comparasse com meus irmãos. Com a Celinha. Como era encantadora minha irmã Celinha. Eu morreria de tanta inveja dela, ainda mais porque junto da beleza e de tudo perfeitinho, ela era boa, carismática e afetuosa.

Coisa rara de se ver, minha irmã era um anjo. Me tratava com tanto carinho que eu ficava até constrangida dos maus pensamentos que tinha em relação à ela. Sabe destas pessoas que podem mudar o mundo com um sorriso? Era a Celinha. Linda demais minha irmã. Acabou com minha mãe saber que a Celinha foi atropelada e que sobrou apenas eu de menina, uma inútil. Todo mundo chorou sentido, ninguém sabia falar nada de tanta tristeza. Eu me perguntei tantas vezes por que não havia sido eu a morrer porque eu não servia mesmo pra nada e minha irmã poderia ter tido uma vida fantástica.

Meus pais evitavam me olhar depois disso. Como se eu tivesse culpa, sei lá. Eu também sofri muito e eles só viveram porque tinham que viver eu acho, era muita tristeza. Minhas pernas inúteis me deram trabalho a vida toda e foi passando até que eu me tornei uma senhora sozinha e amarga, invejosa, dramática, insegura e chantagista. Eu tinha a coragem de fazer cena por tudo e impedia meus irmãos de viver uma vida plena com as esposas deles porque eu tinha que receber ajuda o tempo todo.

Poderia ter me esforçado mais e ter sido, no mínimo, independente para realizar minha higiene ou realizar uma refeição, mas não, eu abusava de minhas limitações para tê-los por perto. Eu me arrependo, pena que seja tarde demais. A vida passou e, um dia, eu morri. Foi duro perceber que o céu não me recebeu e ainda por cima eu continuava a mesma, cheia de limitações físicas, mas também morais. As pernas continuavam inúteis e eu ainda estava rancorosa com minha situação. Passei a rastejar porque não tinha mais minha cadeira de rodas e agora estava sozinha. Sentia fome e frio, vagava por aí. Quanto sofrimento.

Até que um dia, vi uma mulher tão linda, luminosa que me estendeu a mão e sorriu. Era a Celinha, ser de luz, só podia ser. Me resgatou e trouxe para cá. Hoje, depois de tanta reabilitação, elas já mexem bastante. Agora já consigo dar uns passinhos e sou muito agradecida. Nunca poderia prever que isso aconteceria deste lado. Ter que me tratar para poder andar novamente, já que o Espírito é perfeito. Valeu a dica: quem tem a mente sã não precisa de muletas. Obrigada doutor, vou me esforçar mais.
CARMELITA
17/09/17

----------------------------Paula Alves-----------------------------

“SE ENCHER DE ALEGRIA NOS MOMENTOS MAIS SIMPLES É SINÔNIMO DE GRATIDÃO”

Eu tinha tantos sonhos... Não pretendo usar meu espaço, que é tão disputado para ficar me lastimando do que não fui. Outra oportunidade virá e ambiciosa estou de fazer dar certo. A questão é que se perde tempo precioso enganando-se com bobagens. Roubo de tempo, perda de tempo. Se soubéssemos o dia da partida talvez agíssemos diferente. Eu desgastei todo o tempo com picuinhas, festas, inutilidades, questões tão à toa que não me levaram a lugar nenhum. Até eu acho que foi melhor partir porque não estava acrescentando nada. Se eu soubesse que morreria de repente, talvez tivesse me esforçado para produzir o bem.

Poderia ter sido mais educada com todos os que amo. Poderia ter feito alguma coisa boa pra ser lembrada. Poderia ter falado pra ele do meu amor porque eu quis ser durona. Achei que ele precisava vir atrás de mim, nós nem mesmo fomos um casal e eu o amava. Deveria ter feito as pazes com minha melhor amiga. Ela foi como uma irmã. Nunca abracei meu pai com o afeto que ele merecia e minha mãe, pobrezinha, fazia por mim o que ninguém pode imaginar. Como fui bem tratada por ela, mas eu a tratei como a uma serviçal.

Me arrependo de muitas coisas. De não ter contemplado a chuva e o sol, eu também adoro o mar e eu senti falta de tudo isso quando estava em locais sombrios. Sabe, a gente não tem muito raciocínio, mas sente falta do que faz sentir bem, compreende?
Pra quê viver no vazio? Se encher de alegria nos momentos mais simples é sinônimo de gratidão.
Não almejar tanto, sorrir com o simples, isso é felicidade. Eu tinha uma vida boa, podia ter sorrido mais. A gente mesmo que vê tristeza nas coisas, os maiores problemas somos nós quem criamos. Isso é muito triste. Eu penso que Deus é mesmo maravilhoso porque tem paciência com a gente. Sabe que é tão imaturo e espera até a gente evoluir, ser um filho grato, decente. Alguém que pode fazer escolhas corretas que vai beneficiar a nós mesmos e também aos outros. Eu não fiz nada desta vez, quero melhorar.

Tenho medo porque me conheço e sou como uma adolescente que só pensa em si. Já passou tanto tempo e na minha mente só a satisfação própria. Eu preciso de mais tempo porque se for assim, eu sei que vou errar de novo.
HELENA
17/09/17
----------------------Paula Alves--------------------------

“NINGUÉM PODE COM O AMOR GENTE”

Foi uma batalha só. A gente enfrentou todo mundo pra ficar junto. Só porque as famílias não se gostavam. Estranho imaginar que todo mundo sempre tem motivo pra odiar os outros. Tem gente que não vai com a cara de graça, nem precisa fazer nada. É a cor dos cabelos, porque é homem ou mulher, porque fala feio, arrastado, porque é escuro ou muito gordo, tem bigode ou tem cheiro estranho, sei lá, porque é rico demais. Não, isso não.

Normalmente, o rico todo mundo quer na mesa do jantar (risos). Eu sempre fui tão trabalhador e sonhei que pudéssemos formar uma família simples, mas honesta, feliz. Eu fui negro sim, mas com uma dignidade que fazia admirar. Trabalhava de sol a sol e quando olhei pra ela sabia que ali estava a minha razão de viver. Eu não sei como dizer isso, mas a gente sente quando encontra a pessoa certa. Não importa a cor, a gente sabe. Ela também sentia por mim a mesma coisa e eu me aproximei com o maior respeito porque ela seria a mãe dos meus filhos e foi.

Ninguém gostou. Nem os meus, nem os dela e tivemos que ir embora quase enxotados. Maria Amália grávida e nós sem nada pra viver. Nem casa e nem trabalho porque o que eles puderam fazer pra acabar com a gente, eles fizeram.

Estranho tudo isso de vingança porque a gente carrega muitos instintos das outras vidas. Todos eles que já haviam nos separado em outras épocas, novamente não suportaram a ideia de nos ter por perto, juntos e felizes. Pobres incrédulos! Ninguém pode com o amor gente. Ninguém pode.

O amor impulsiona e faz vencer as amarras, os instintos negativos, a falta de moral porque o amor é sentimento que nos faz adquirir as virtudes. Eu não me arrependi de deixá-los para segui-la. Arregaçamos as mangas e, juntos, trabalhamos mais e mais. Em pouco tempo, estávamos com nossas crianças e nossa casinha muito humilde, mas nossa. Casa de gente honesta que se amava e criava os filhos com o nome de Deus nos lábios e no coração. Tudo criança linda, bem tratada com carinho e moral cristã.

Eu só tenho a agradecer a vida que eu tive com a Maria e agora estamos aqui, juntos de novo pra assumir mais um compromisso em nome de Deus. Receber toda aquela gente dentro de casa pra ver se com o nosso amor eles aprendem a deixar o passado pra trás. Receber como filhos os nossos pais e avós. Todo aquele pessoal que fez de tudo pra separar a gente. Eles têm que sentir o nosso amor bem de pertinho. Eu estou aqui no tratamento pré reencarnatório pra me afinizar com estes sentimentos de abnegação. Eu preciso ter a certeza de que nada ficou para trás, nenhum sentimento de revolta da minha parte para que eu não os recuse no nosso lar. Vai dar certo por amor. Que Deus nos ampare.
LESSIVAL
17/09/17
------------------Paula Alves-----------------------

“VALE A PENA PENSAR”

Ia destruindo tudo por dentro, mas eu não me importava. Parece que a gente não pensa em nada disso quando está na carne. Todo mundo faz isso.
Quem não faz?
É vício pra todo lado doutor. Eu acho até que deveria ter alguma cláusula na Lei que aliviasse pra gente porque, senão, vai ficar superlotado na esfera inferior. Ninguém dá conta de tanta gente. Vocês falam que é desrespeitoso falar assim, mas acho que não porque eu to sendo sincera. Acho que todo mundo na Terra faz muita coisa errada, vai demorar pra mudar pra regeneração porque ninguém quer regenerar não.

Bebida, cigarro, sexo e tudo mais. Eu curti muito, balada, consumismo, fala sério é muito difícil não pensar nisso estando na matéria. Quanto mais se tem, mais se quer. Eu não fui a única. Se é pobre, é revoltado e se é rico, é mesquinho porque só quer saber de si mesmo. Vida boa é abusar da matéria, mas depois que desprende que horror! Aí sim, vale a pena pensar. Principalmente porque a ausência chega a ferir. Eu nunca imaginei.

Que vontade eu tinha de fumar. Fumei por quarenta e cinco anos, nunca pensei que fosse suicídio porque suicídio pra mim era outra coisa, bem diferente. Eu antecipei meu período de retornar em quinze anos e, por isso, passei pra cá como suicida. Quanto desespero. Vontade de sair daquele corpo sem conseguir. Uns malandros que riram de mim, debochavam e ainda usavam dos meus fluidos, foi muito horror. Chega de lembrar disso.

Eu nem consigo pensar e, por estas sensações, preferia retornar com algum defeito que me impossibilitasse de chegar perto dos vícios de novo. Eu já pedi porque sei que sou danada. Estou tratando pra esquecer aquelas cenas. Eu não desejo pra ninguém. Pensar que tudo o que a gente faz tem consequências. É muito grave porque se a gente escolhe errado, paga. Se escolhe de qualquer jeito, paga também. Pra uma pessoa como eu só tem a paga porque eu ainda sou muito leviana.

Pra mim é uma escola muito severa esta tal reencarnação doutor. Sei que estou com os dias contados para sofrer porque aqui não é local apropriado para mim, já que eu estou toda errada. Eu sou muito agradecida, nem sei como me deixaram entrar. Eu penso em tanta coisa que não presta. Sei mesmo que o futuro é a expiação, senão não vai ter jeito não.
SORAIA
17/09/17


Foto cedida por Magno Herrera Fotografias


“DÓI SABER QUE PODIA TER FEITO MAIS, TER FEITO DIFERENTE”

Eu não aguentava nem olhar pra ele. A vida toda foi assim... Eu percebi desde cedo que teria problemas com ele. Já na barriga de minha esposa e depois do nascimento, o menino só me irritava. Eu cheguei a pensar que não gostava de crianças, mas o problema era com ele mesmo. Vê se pode? Sabe quando a pessoa nem faz nada pra você e já te irrita? Era assim. Coitado, às vezes, me dava pena porque ele vinha querendo se aproximar e eu repelia. Não era culpa minha, sei lá, uma vontade de bater no menino, pobre. Fui levando assim até que ele percebeu e vivemos nos evitando. Eu sei que ele não tinha nada contra mim. Com seu jeito infantil até tentava me conquistar, afinal eu era o pai dele. Mas, não tinha jeito de dar certo.

Eu tive mais filhos e foi pior porque com os outros eu tinha afinidade. Eu era um bom pai, com carinho e atenção. Eu tinha adoração por um filho do meio e ficava evidente a diferença que eu fazia deles, mesmo sem querer. Eu sei que inconscientemente atrapalhei a vida do meu filho mais velho, o rejeitado. Eu sei que não devia, mas foi mais forte do que eu. Eu tentava ver nele pontos positivos e até conseguia ver isso, só que eu não o suportava. Foi assim, até que um dia eu soube que ele tinha sofrido um acidente enquanto estava trabalhando. Teve uma explosão na fábrica e meu filho estava gravemente ferido, se sobrevivesse ficaria com graves sequelas. Eu nunca imaginei que pudesse sofrer por ele, mas sofri muito. Eu fiquei espantado com o tanto que gostava do rapaz. Nem eu sabia o quanto ele era importante pra mim. Uma dor no peito que só foi pior quando recebi a notícia que ele havia falecido. Como dói o peso do remorso, do arrependimento. Dói saber que podia ter feito mais, ter feito diferente. Eu podia ter sido um pai bom, um pai melhor para ele. Eu senti porque nós nunca tivemos uma conversa franca e eu sei que ele me amava. Em todos os gestos ele me demonstrava o seu amor e eu impassível, irredutível.

O tempo passa tão rápido, nem sempre se tem a oportunidade de vivenciar um amor com toda a intensidade. Eu até tive uma explicação quando cheguei aqui. Ele foi meu irmão em outra existência. Nós éramos muito próximos e ele me traiu por causa de uma maldita herança. Eu nunca o perdoei e acredito que carreguei para outra encarnação o sentimento de revolta. Eu sentia um afeto, mas também sentia uma revolta, uma desconfiança, uma indignação.

Eu preciso melhorar este sentimento porque ele já está me aguardando. Novamente estaremos ligados. Agora será ele quem me receberá no berço. Eu serei seu filho e sei que ele me tratará com amor, mas preciso ser um filho obediente, um filho grato. Deus me conceda serenidade mental para concretizar o que for devido.
LUÍS ANTÔNIO
24/09/17

-----------------------Paula Alves------------------

“ESTRANHO PORQUE AS PESSOAS NOTAM TUDO, A GENTE NEM PRECISA FALAR”

São muitas histórias. A minha não deve ser diferente da história de ninguém. Eu olhava para aquela vida miserável e desejava mais. Eu sempre achei que poderia ser qualquer coisa. Eu poderia me esforçar e fazer dar certo. Meus sonhos, meus planos... Qualquer coisa que ativasse dentro de mim certa satisfação, mas eu me acomodei com uma vida miserável de dias que passam todos iguais. Uma dona de casa que faz tudo igual sempre. Eu não desmereço não. O ruim é quando você faz tudo por obrigação. Fazer com gosto, com satisfação é diferente. É como tem que ser.

As pessoas encontram alegria e prazer nas simplicidades da vida, estas pessoas encontraram um jeito de não enlouquecer neste mundo fanático, doente, mas eu não. Eu queria mais e achava que aquela história de passar, lavar e cozinhar humilhava a minha sanidade mental, então, eu fazia por obrigação e de qualquer jeito. Estranho porque as pessoas notam tudo, a gente nem precisa falar.
Quando seu marido chega em casa e você de cara amarrada, a casa ta limpa, tudo no lugar, mas você de mal humor. Por quê? Porque fez de obrigação. A comida de qualquer jeito, arroz que queimou, feijão sem gosto... Criança chorando e você lá. Esperando o quê? Eu nem entendo o que eu queria da vida e me perguntava o que Deus queria de mim? Até que eu morri. Fui atravessar a rua e pronto! Um caminhão acabou comigo. Eu nem imaginava que a morte era isso tudo. Voltei pra casa toda machucada e fui fazer meu serviço como todos os dias. Estranhei que as coisas não se moviam muito. Tava um pouco estranho e eu sangrando. Sei lá, surreal. É maluco mesmo. Espero que vocês não passem por isso. Eu precisei parar pra apreciar, pra ver minha casa de um novo prisma. Virei fantasma na minha própria casa.

Fui um horror. Fiquei assim por um bom tempo até que a minha tia foi visitar a minha família e eu escutei quando ela falou de mim. Falou do meu falecimento. Eu fiquei desnorteada e foi aí que as coisas começaram a voltar na minha cabeça. Tudo embaraçado, mas voltou. Eu chorei e me arrependi porque eu queria a minha casa e a minha família, mas agora tinha que ir embora e eu nem sabia pra onde. Me trouxeram pra cá e eu estou começando a aceitar que não fui grata por tudo o que recebi. Eu ganhei tantos presentes de Deus. Uma família que me aceitou como eu sou e, mesmo assim, eu não os honrei com um sorriso ou com a atenção que mereciam.

Hoje eu sinto falta do abraço deles e sei que eles estão melhores sem mim. Só eu perdi.
ALCIONE
24/09/17

-------------Paula Alves---------------

“QUE BOM QUE A GENTE CRESCE, AÍ SIM ESTÁ A MISERICÓRDIA DIVINA”

Ele sempre foi um nojento, um porco imundo e eu ainda tinha que respeitá-lo? Foi muito duro pra mim ver tudo o que ele fazia e não partir pra cima dele. Deus sabe de tudo mesmo porque, se ele não fosse meu pai, na certa teria acabado com ele.
Fui obrigado a aguentar vê-lo agredir minha mãe durante toda a minha infância e sabia do que fazia com minhas irmãs. Eu ainda não consigo esquecer os gritos. É duro ser criança. As pessoas acham que criança não sofre e que não vira adulto revoltado. Eu rezava, mas isso não o fazia parar. É muita revolta doutor. Eu cresci. Que bom que a gente cresce, aí sim está a misericórdia divina.

A gente cresce e o outro envelhecendo. Eu o coloquei pra fora, assim que me tornei um rapazinho. O infeliz tava sempre cercando, bêbado. Eu desejei matá-lo, mas minha mãe já havia sofrido demais. Eu pensava: “quem tomará conta delas se eu for preso?” Então, fiz melhor que isso. Deixei bem claro que não aceitaria que ele chegasse perto delas novamente e ele se afastou de medo. Eu era um rapaz alto e forte. Estudei, trabalhei com afinco e me tornei um advogado para defender os direitos das mulheres. Eu tive uma vida que me levou a pensar em assuntos que antes não me importava. Isso fez com que eu pudesse evoluir um pouco em moralidade e também em intelecto, por isso, sou agradecido.

Ainda não consigo esquecer os gritos e sei que isso me motivou porque todas as vezes que encontrei vítimas de abusos, eu me lembrei das minhas queridas irmãs, da minha mãe linda que tanto sofreram, eu fiz tudo o que pude para colocá-los atrás das grades, marginais terríveis. Eu queria que o mundo pudesse ficar livre deles, de todos eles. Ninguém pode imaginar o quanto é terrível, só quem passa mesmo. Passados muitos anos, vi meu pai na sarjeta pedindo esmolas. Eu ainda senti ódio dele. Sei que não o perdoei e acredito que isso nos uniu como um elo. Eu não queria encontrá-lo nunca mais, porém já fui informado de que novamente nos encontraremos. Eu serei mãe dele e deverei colocar moral, ética, deverei ser uma pessoa de pulso firme para que ele não erre mais. Eu não sei se sou capaz de triunfar, estou apreensivo. Peço a Deus para me fortalecer.
DIONÍSIO
24/09/17
-------------Paula Alves---------

“SABER APRECIAR A VIDA DE FORMA ATIVA É POSSÍVEL”

Eu contemplava o céu, as estrelas e sempre acreditei que em outros mundos a vida habitava. Eu fui estudioso, curioso, apaixonado pelo que fazia. Chegava a ser fanático porque me esquecia da vida aqui embaixo, na Terra. Eu só queria saber do céu. Dos outros mundos, dos outros planetas. Eu tinha a certeza de que eles existiam e que as outras formas de vida não eram hostis ou assustadoras, mas apenas mais evoluídas do que nós. Eu não me casei, não tive filhos. Acho que não tive tempo de me envolver ou de pensar nestas questões. Eu só sabia observar o céu.

Vivi pouco e tive um desencarne simples porque acho que não estava apegado ao meu corpo ou à minha vida. Eu sempre achei que fosse mais do que isso e quando me soltei totalmente foi maravilhoso. Uma leveza e um deslumbramento da verdadeira realidade. Foi lindo! Apreciar a vida na Terra com todas as suas nuances. Não com a percepção do mal, mas com a visão do que realmente existe dos dois lados. Observar os corpos nitidamente físicos e aqueles seres de luz que vieram me ajudar. Foi lindo demais! Quando cheguei aqui fiquei curioso com tudo e quando estava quase na posse de todas as minhas conjecturas mentais senti um estalido forte na cabeça. Bum! Era eu de novo. Dotado de todos os meus potenciais eletromagnéticos. Sabedor de tudo o que assimilei nestes milhares de anos. Quando vi o céu da colônia quanta satisfação. Quanta beleza. Ainda aguardo pela oportunidade das viagens. Sei que meu dia chegará. Infelizmente eu me posicionei, apenas como observador. Desperdicei minha jornada. Tinha tanta coisa que poderia ter feito e não fiz. Fiquei na inércia, na contemplação, precisava ser mais ativo. Fiquei estagnado, isso é perder tempo. Não dei um passo em direção ao progresso. Muito ruim porque para conhecer outros mundos, eu preciso evoluir mais.
Vou me esforçar doutor. Saber apreciar a vida de forma ativa é possível. Agradecido pelo espaço. 
FELIPE
24/09/17


Foto cedida por Magno Herrera Fotografias

“MINHA QUERIDA NÃO SE ENTRISTEÇA MAIS POR MIM.

Existem tantas coisas que não compreendemos, mas o importante é ter a certeza de que está tudo certo em nome de Deus. Do ponto de vista físico parece que eu sofri demais, mas não é verdade. Vocês foram imprescindíveis para minha renovação. Tudo o que ocorreu foi extremamente necessário para que eu pudesse me libertar e passar para uma nova fase cheia de esperança e coragem.

Eu senti tudo o que vocês sentiram do início ao fim, até agora eu ainda sinto e foi, por isso, que tive esta oportunidade. Durante o tempo em que necessitei de intervenções médicas meu corpo pereceu visivelmente e tive todos os cuidados que a melhor pessoa do mundo poderia ter. Como fui bem tratado mãe. Você me cobriu de afetos e todas aquelas perfurações doeram muito menos porque eu tinha os seus carinhos. Meu pai foi extremoso e até os parentes mais distantes se comoveram e ficaram mais próximos, enfim, a doença fez com que todos se unissem e eu fiquei feliz por sentir que todos me amavam.

Em outras existências eu não soube o real significado da palavra amor. Eu sinto muita falta de todos e agradeço por tudo. Eu parti para um local bom e consegui passar por tudo o que estava programado, assim como vocês que me trataram de acordo como imaginávamos. Todos nós progredimos com tudo isso, portanto, siga em paz. Eu tenho certeza que nos reencontraremos porque nosso amor é profundo demais.

Ainda guardo dentro de mim seus afagos e a minha canção predileta ainda me faz adormecer deste lado mãe. Eu só tenho a agradecer. Nunca se culpe porque você foi a melhor. Se abra para o novo porque desta vez o seu filho viverá muito, eu sei. Com todo o meu amor.
LUCAS
30/09/17

-----------------------Paula Alves-----------------------

“POR QUE DESEJAMOS ESTAR COM ELAS QUANDO O FIM SE APROXIMA?”

Eu fiquei impossibilitado de falar por quatro anos e, ainda assim, sentia vontade de gritar com ele. Foi uma desgraça. Como pode alguém sentir tanta raiva? Eu guardei dentro de mim uma indignação que tirava o meu fôlego. Tudo por causa de uma bobagem sem igual. Nós fomos irmãos tão ligados e eu me deixei levar por uma disputa de balcão de bar. Por muito tempo estive envolvido com aquilo tudo e me esqueci de momentos que nos tornaram inseparáveis, leais, amigos pra valer. Como somos tolos.

Ele insinuou que era mais próspero do que eu, fez uma graça e eu me invoquei. Bastou para nos tornarmos inimigos porque quanto mais tentava provar para ele que eu tinha bens, mais ainda nos enfrentávamos e pra quê? Disputa de posse... Quando nossa mãe morreu eu perdi o chão e senti que a dor era a mesma para meu irmão. Naquele dia, eu achei que fossemos nos reconciliar, mas surgiu uma conversa de herança e aí piorou de vez. Nós nunca mais nos falamos. Quando o carro bateu foi incrível porque eu senti que iria morrer. Eu senti um frio estranho na barriga e me arrependi de ter bebido um pouco. Eu fechei os olhos e soube que não teria jeito, era o fim pra mim. Só me lembrei do meu irmão. Eu queria que ele estivesse comigo porque eu estava com medo. Aí está minha dúvida.

Por que nós costumamos afastar do nosso convívio as pessoas que mais fazem diferença para nós? Por que desejamos estar com elas quando o fim se aproxima? Eu queria estar com ele. Eu não tinha medo do depois, eu queria estar com alguém para passar por isso e no fim estaremos sempre sós.

Estranho isso. Todos sós, cada um na sua trilha. Eu abri os olhos e já estava deste lado. Vi meu funeral e percebi a tristeza dele. Aí eu chorei muito porque ele estava arrependido como eu. Ele nunca quis ficar afastado. Ele ainda está encarnado e já é um senhor de idade avançada. Eu peço a Deus que seja possível nos reencontrarmos de novo para que eu possa me desculpar. Quem sabe retomar nossa antiga amizade... Pensem com carinho nos seus entes. Façam o possível para cultivar os afetos que possuem porque tudo isso é o que mais importa na face da Terra. Fazer amigos com as riquezas que Deus lhes concede. Que Jesus abençoe as vossas famílias.
ORLANDO
30/09/17

----------------------Paula Alves------------------------

“POR QUE QUEM TEM MUITO NÃO PRODUZ NA MESMA PROPORÇÃO?”

Eu me lembro das sacolas e do quanto elas se importavam com o que compravam. Era tudo lindo e muito brilhante. Roupas de grife, sapatos caros. Eu também queria aquele luxo todo. Claro que sim. Vida boa todo mundo quer, mas não é pra todos não. Tive muita sorte de conseguir o emprego. Faxineira na loja das madames. Eu só queria colocar um dente na minha boca e pagar as prestações da nossa casinha. Era tudo tão difícil.

Em pensar que aquele dente caiu com um murro do cara que eu tinha adoração. E todo mundo aponta né?! Tão fácil julgar. Falam: “por que se juntou com marginal?” “Outro filho?” “Mas, não pode dar de comer nem pra um, agora mais outro?” “Mulher de malandro tem que apanhar calada mesmo”... Isso e muito mais.

Ainda tem gente que generaliza. Achando que mora na favela é tudo morta de fome, maloqueira... É muito abuso de poder. Apontar pra quê? Acho que quem não tem coração bom pra ajudar, deveria viver sua vida sem se misturar com a gente porque todo mundo percebe quando faz forçado. Faz pra se promover. Ajuda pra falar que é bonzinho. O pior é que a gente vê na cara a superioridade, mas precisa pegar o saco de arroz porque, senão fica com fome.

Eu passei por tudo isso antes de arrumar o emprego. Então, dei graças a Deus que podia pagar minhas contas e cuidar das crianças sem precisar pedir caridade de ninguém. Eu nunca quis ouvir que era pobre metida a besta, mas ouvi. As pessoas acham que a gente tem que viver olhando pra baixo, não pode levantar a cabeça, senão é esnobe. Que doideira. Mas, a justiça não falha doutor.

Felicidade é saber que eu passei por tudo isso pra ser mais humilde e tantos outros passarão. Graças a Deus. Justiça divina que alcança todos e isso não é praga não, isso é Lei. Eu ainda tenho algumas lembranças que são difíceis de apagar. A gente sente mesmo, eu não imaginava. Sente revolta, medo de ver criança morrer de fome ou de frio, sei lá. A gente sente vergonha, mas tudo foi perfeito. Eu sou agradecida porque precisava disso tudo pra entender. Vivi muito e deu tempo de refletir que ser pobre também é missão. Eu consegui entender coisas e ajudar mesmo sendo pobre. Veja que sem ter nem pra mim, ainda consegui ajudar outros como eu. Por que quem tem muito não produz na mesma proporção? Eu creio que um dia isso tudo vai mudar, eu tenho fé. Fé de ver que as pessoas dão do fundo do coração. Sem precisar disso pra se sentir importante. Que Jesus abençoe os verdadeiros caridosos e lhes conceda oportunidades de trabalhar cada vez mais.
LUZIA
30/09/17

-------------------Paula Alves--------------------

“TUDO TÃO LINDO E NINGUÉM VÊ”

O que toca as pessoas? Amor, dor, felicidade, luxúria, os prazeres, privações?
O que elas pensam que pode fazê-las se moverem?
Eu tento refletir, mas fico cada vez mais confuso. Acredito que estejam tão distantes e apagadas. Como se no mundo só existissem pessoas cegas. Tudo tão lindo e ninguém vê. Céu, mar, flores e, ainda assim, pessoas dotadas de beleza rudimentar, mas que me fazem amá-las. Eu sinto muito não estar por perto. Acho que fracassei com meus familiares. Talvez, não tenha ensinado o que era valioso. Acho que eu estruturei meu lar com o ensino material porque eles estão bem de vida, não passam por privações, mas são tão carentes, tão frágeis.

Eles não tiveram base e estão dissolvendo. Depressão é o simples lá em casa, parece que todos têm depressão. Não acreditam em nada e se revoltam com tão pouco. Só pensam em aproveitar a vida com viagens ou compras inúteis, atos frívolos em busca de felicidade. Algo que possa amontoar a soberba em busca de preenchimento interno. Eu falhei. Poderia ter me esmerado em dialogar sobre questões mais profundas que fizesse com que eles refletissem sobre a vida futura. Acho que eles nem sabem que continuamos existindo deste lado. Eu poderia ter feito mais e agora me preocupo com eles. Poderia estar tão feliz vivenciando esta oportunidade que me foi concedida, mas daqui me envolvo com suas vibrações e capto suas influências, eu me entristeço e estagno. Estou me impedindo de avançar. Eu não posso prosseguir pensando neles desta forma.

Como pode ter dado errado com todos. Eu deveria ter me envolvido com alguma religião. Todas são importantes porque nos fazem pensar no que não é palpável, no celestial. Não sei por quanto tempo posso continuar desta forma. Eu sinto muito. Queria que todos pudessem refletir sobre a triste natureza do ser que só percebe a matéria. Eu só desejo a paz e o bem.
ZACARIAS 
30/09/17   












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