Cartas dos Pais (4)

Foto cedida por Magno Herrera - Fotografias

Por muitos anos eu me culpei.
Acredito que até hoje ainda me sinta culpado.

Apesar de todas as vezes que achei que tinha feito apenas o que foi possível não consegui tirar seus olhos da minha cabeça. Muitas vezes uma ofensa dói mais que um tapa, não é filho?

Eu sei que sim.

É claro que as surras que levei do meu pai bêbado não justificam as minhas ausências e nem a falta de comprometimento que tive com vocês. Eu fui o pai que pude ser e não me agrada em nada saber disso.

Acho que Deus é justo e bom e sei que teremos outra chance em breve, mas por hora pense em mim como aquele que sorriu de satisfação quando te viu pela primeira vez.

Eu te desejei meu garoto, te desejei como a um raio de sol e quando estive vagando sua casa foi para mim um oásis.

Sua família é um prêmio, você merece.

Recebi ao seu lado todas as orações que me enviou, bem ali de pertinho e não se prenda por mim filho.

Eu também te amo, mas você sempre foi melhor do que eu. Em nada nos parecemos, você não seguirá meus passos garoto.

Eu só tenho a aprender com você meu menino. Sei que o que nos aproximou foi uma desavença antiga que devíamos superar e sim, nós superamos porque eu te amo demais Aurélio.

Não se esqueça de que eu te amo e sinto muito por tudo o que perdemos filho. Eu sinto muito por todas as más influências e todos os desastres que provoquei.
Limpe sua mente porque você não merece se limitar por minha causa ouviu? Você é bom e capaz e Deus te recompensará.

Aqui tudo fica muito mais claro do que quando estamos na matéria e o sofrimento nos faz ter um discernimento que não tínhamos quando encarnados.

Eu sou o mesmo, ainda inclinado a cometer deslizes, ainda ligado aos meus vícios, mas agora tenho a oportunidade de receber o auxílio para avançar e me desligar de todas as vicissitudes morais e físicas que adquiri após tantos anos de erros.

Continuem orando por mim porque isso me fortalece. Siga em frente jubiloso de que tudo está bem.
Eu o amo.

José Antônio.
14/08/16
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Todas as leviandades de um homem podem se refletir nos seus filhos. Eu procriei como um animal procria.

Não fazia conta de quantos filhos estava distribuindo pelo mundo, apenas me envolvia com mulheres e as deixava para trás. Sei que neste grande mundo de meu Deus são alguns espalhados por aí. Eu contava vantagens, achava que era uma vitória, um orgulho dizer o quanto era procurado por elas.

Nunca precisei usar de força, elas me amavam e eu me envaidecia com isso tudo. Mas um dia a velhice chegou e eu apenas padeci sozinho porque não me importei em constituir família que me amasse realmente.

De repente percebi que tudo aquilo foi ilusão de um imaturo, de um inconsequente. Sofri, chorei e enfim, morri, mas que infelicidade a morte na verdade não existe para nós seres eternos.

Apenas o corpo ficou ali por sete dias até que os vizinhos sentiram o cheiro e descobriram o fim daquele insensato. Me enterraram numa vala comum e ninguém chorou, mas enquanto eu vaguei pude ouvir algumas lamúrias e enquanto estava delirando na perturbação dos que sofrem não atinava o que seria aquilo.

Levou um tempo para descobrir que eu ouvia todas as lamentações dos filhos que fiz. Alguns me perseguiram fora da carne, estavam desencarnados como eu e me cobravam pelo que não tiveram, me culpavam pela falta de pai, pela falta de afeto.

Eles me cobraram pra valer.

Outros ainda encarnados pensavam em mim tão forte que me arrastavam para junto deles. Eu pude ver seu sofrimento e indignação.
Apenas um orou por mim.

Todas as noites ele orava pelo pai que nem mesmo conhecera e eu chorei sentido em seu lar humilde.

Naquele momento tocado por sua prece consegui me elevar um pouco e recebi o auxílio que condizia com minhas necessidades.

Eu agradeço a Deus por todas as formas que têm de nos fazer despertar para nossas responsabilidades de pai. Eu nem sabia que eles sentiam tanto a minha ausência e eu me arrependo meus filhos por tudo o que não fiz.

Este momento serve para mim como um pedido de perdão a todos. Me perdoem porque errei e não tem desculpa.

Eu aceito tudo o que vier de vocês porque não mereço mais do que sua indiferença, mas eu pude perceber o quanto estão machucados e eu me importo.

Eu me importo e rogo para que Deus que é Pai de amor possa ofertar a todos vocês tudo o que necessitam para serem felizes.

Cícero.  
14/08/16

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Quantos enganos!
Eu acreditei que se desse tudo ele estaria bem. Acreditei que se ofertasse tudo ao meu filho substituiria a minha presença, afinal o melhor é ter mãe presente e não pai, eu achava.

Mas eu estava equivocado.

Trabalhei tanto, tanto que nem mesmo o vi crescer. Nós éramos como dois estranhos num lar imenso, porém cheio de barreiras. Sua mãe tentou, mas nem mesmo ela teve de mim além do material, coitada, foi uma mulher excepcional.

Ela abdicou de tudo para ser minha esposa leal e criar você com todos os afagos de uma mãe extremosa. Por isso, eu achei que você nem sentiria a minha falta.

O tempo passou e fui notar depois de muitos anos sua rejeição, na verdade eu o rejeitei primeiro.

Eu abri um oceano entre nós Carlos. Estava viciado em trabalho meu filho. Eu senti quando fiquei velho e doente. Você nunca me abraçou, nunca um beijo fraterno, eu nunca senti um carinho que fosse e digo neste momento filho que eu senti sua ausência também.

Confesso que te culpei por meus incômodos, por todas as minhas angústias. Falei para todos que quisessem ouvir que meu filho só estava interessado na minha herança.

Disse que meu filho me abandonou.
Eu disse filho e você sabe porque eu dizia para você ouvir.

Mas depois de tudo o que vivenciei deste lado tive que passar por um tratamento de conscientização e neste tratamento me mostraram tudo o que minhas atitudes desencadearam em você.

Isso quer dizer que sou inteiramente responsável pelo que tive de ti.

Eu sinto muito.

Eu ainda sofro de uma saudade irreparável. Quando se envelhece, se sente muito sozinho. É como uma solidão que fere o peito e nada faz melhorar.

Eu ainda me trato porque é difícil aceitar que perdi uma chance tão importante de ter afetos. Eu não tenho ninguém que me ame e isso é culpa minha.
Não cometa os mesmos erros que eu.

Se case com ela e tenha muitos filhos queridos do seu coração.

Eu te peço perdão e desejo que encontre a felicidade que merece.
Osmar.
14/08/16

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Para mim foi tudo especial.
Só restaram saudades, mas nenhum pesar. Tivemos todo tempo do mundo para nos curtir, para nos amarmos. É verdade que a vida não foi fácil não. Era uma dureza danada. Nem sapatos tínhamos lembra?

Mas a gente se esforçava para ter comida e ia levando. Nunca nos faltaram disposição e fé. Fé tinha de sobra e amor meus filhos? Como tínhamos amor... Celeste foi a mais velha das minhas meninas e me deu um sorrisinho logo que a parteira tirou e a menina faceira ia pra roça cantando, nunca reclamou a Celeste.

O Belmiro foi levado.
Arteiro roubava manga da vizinha e ainda levava pra gente. Deu um trabalho danado ensinar o garoto, mas hoje é homem de bem o Miro.

E a Gerusa?
Aquela foi ciumenta a beça. Menininha manhosa chorava por tudo, mas aí eu fazia as bonequinhas de milho e ela sorria, ia brincar. Sempre foi bom ter vocês comigo filhos. Sempre foi o presente de Deus, a nossa família. Eu sei que faltou tanta coisa, mas Deus deu tudo o que precisávamos para sermos felizes.

Eu sei que foi assim.
Hoje tenho de vez em quando a chance de ver a casinha de vocês. Todos já velhos, uns cabelos brancos na cabeça erguida pela honra de ser gente decente.

Eu me orgulho viu? A mãe tá aqui comigo, tinha que ser assim, nós dois sempre unidos no trabalho, na dor e também agora depois de tanto tempo conseguimos.

Agora ta tudo em paz.

Vocês seguem aí cuidando também da família de vocês. Saibam que não é fácil não. Ainda mais nos dias de hoje com tanta droga rondando a molecada, mas com amor e paciência vocês vão conseguir viu?

Se cheguem mais perto uns dos outros quando os problemas surgirem porque a união da família destrói qualquer empecilho.

O pai ama vocês e tem orgulho, sente alegria de saber que são os meus meninos.
Teodoro.

14/08/16

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